*9/10*
Tocante, perturbador, mas repleto
de Amor, é assim a mais recente longa-metragem de Michael
Haneke, que lhe valeu mais uma Palma de Ouro em Cannes.
Aqui a máxima do “até que a morte vos separe” é cumprida, e já o sabemos
desde os primeiros minutos. Compreendemos, desde logo, que Amor
não é para ser visto de ânimo leve e irá mexer com o que há de mais intrínseco
em cada um de nós.
Depois das crianças de O
Laço Branco, é agora um casal de idosos que protagoniza mais um duro
filme do realizador austríaco. Quem conhece Haneke sabe que ele não
descansa enquanto não deixa o seu público inquieto. Amor vem, uma
vez mais, provar isso mesmo, ao contar a história de Georges e Anne,
dois octogenários, cultos, professores de música reformados. A filha,
igualmente música, vive no estrangeiro com a família, e passa pouco tempo junto
dos pais. Certo dia, Anne é vítima de um acidente e o amor que une este
casal será posto à prova.
Michael Haneke vai directo
ao assunto desde o primeiro minuto. Sabe-se que o final não é feliz, e é no fim
que Amor começa. Mas mais importante do que o fim, é conhecer a
relação, e é para isso que recuamos no tempo, para um concerto de música
clássica onde os professores reformados estão. O dia a dia de Anne e Georges
é-nos apresentado, até ao momento em que a doença de Anne se manifesta. A
partir daí, as mudanças na vida e relação de ambos são o centro de tudo. O Amor
que é posto à prova e que dá nome a este filme. Por sua vez, o final é um
regresso ao início, brilhante e inquietante.
Um argumento que parece tão
simples, revela-se muito mais complexo e exigente a cada cena, a cada plano, a
cada expressão dos actores. São tantos os sentimentos que estão em jogo em Amor,
e não só os das personagens, os nossos também. Qualquer pessoa se irá rever, de
uma forma ou de outra, na história que é contada no grande ecrã. É a realidade
ficcionada que ali está, e essa consegue ser muito perturbadora.
Na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença, ali está Georges, “até que a morte os separe”. As
mudanças para as quais nunca estaremos preparados acontecem, e o casal
protagonista também tem de aprender a lidar com elas. O estado de Anne,
que se agrava ao longo do filme, demonstra bem como há lutas dolorosas e
infrutíferas. Georges, por seu lado, demonstra uma força excepcional. É
ele o símbolo máximo deste Amor, um amor maior do que a própria
morte.
Há um vazio crescente e profundo
que se sente e estende da casa, espaço onde se passa praticamente toda a acção,
a Georges e, claro, a Anne, e que é intensificado pelos planos
longos e estáticos de Haneke, tão necessários, que acompanham,
lentamente, os nossos pensamentos e recordações ao assistir a Amor.
Num filme onde a música que os personagens transpiram constrói todo o ambiente,
a música clássica, claro, está presente até nos silêncios.
No elenco dois grandes nomes: Emmanuelle
Riva e Jean-Louis Trintignant, com interpretações fabulosas. Riva
merece todo o reconhecimento possível pela forma como encarnou Anne, de
corpo e alma. Como, sem articular uma palavra, consegue transmitir tantas
emoções e sentimentos. Sente-se, em cada cena onde surge, o desgaste físico e
emocional que terá sido para a actriz vestir a pele desta personagem. Por seu
lado, Trintignant é o motor que faz avançar a acção. O outro lado do
sofrimento que ambos vivem, mas também a personificação do amor que sentem. Georges
é outra personagem difícil e desgastante e Trintignant oferece-nos uma
interpretação magistral.
Isabelle Huppert, com uma
presença mais curta no filme é, antes de mais o fruto do amor dos
protagonistas, Eva, a filha ausente mas que ama e se preocupa com os
pais. A actriz francesa tem, como sempre, um bom desempenho. De destacar ainda,
apesar dos poucos segundos em que surge no ecrã (apenas duas cenas), é uma
presença portuguesa, Rita Blanco, que tem um pequeno papel como
porteira.
Michael Haneke sabe como chegar ao nosso âmago. Amor é um retrato de uma vida a dois, de um amor capaz de salvar, que nos põe cara a cara com a dura realidade que fazemos por esquecer.
1 comentário:
Amour é, sem dúvida, uma grande história. Partilho da sua opinião em vários pontos e aproveito para deixar aqui a minha crítica: http://mundodecinema.com/amour/ :)
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