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domingo, 4 de novembro de 2018

Crítica: Raiva (2018)

*7/10*

É preciso continuar a lembrar o povo do que foi viver em ditadura. Mais ainda, em tempos como os que correm. Sérgio Tréfaut faz a sua parte ao filmar Raiva, baseado na obra Seara do Vento, de Manuel da Fonseca.


Raiva passa-se no Alentejo, em 1950. Nos campos desertos do Sul de Portugal, fustigados pelo vento e pela fome, a violência explode de repente: vários assassinatos a sangue frio têm lugar numa só noite. Porquê? Qual a origem dos crimes? A história relata os acontecimentos que levaram um camponês pobre a assassinar dois homens a sangue frio e afrontar sozinho a guarda e o exército numa luta desigual.

Mais habituado ao género documental, aqui é a ficção que prevalece, mas não muito distante da História real que aconteceu naqueles campos alentejanos em plena ditadura (quer na realidade, nos anos 30, quer no livro, nos anos 50). Tal como o protagonista diz, a certo momento: "nas terras mortas não há pão, os pobres nascem pobres, os ricos nascem ricos, os pobres morrem pobres, os ricos morrem ricos". Eis um bom resumo de Raiva, onde o abuso de poder dos ricos sobressai. O cante alentejano (não esqueçamos que Tréfaut realizou Alentejo, Alentejo em 2014) acompanha as personagens na sua dor.


A preto e branco como os tempos pedem, entre o passado, a pobreza e a fome, Raiva prima pela direcção de fotografia de Acácio de Almeida e pela crueza da realidade que retrata e que ninguém quer que se repita. 

A simplicidade da história que conta, e deambula pelo neo-realismo, não é maior do que tudo o que simboliza. Um enredo intenso, de que conhecemos primeiro o fim, e depois todos os acontecimentos que levaram àquele desfecho. Esta opção faz com que Raiva perca cedo o fôlego inicial, sem deixar de ser profundo.


No elenco, muitos nomes experientes, de onde destaco a sempre fabulosa Isabel Ruth num papel à sua imagem, uma mulher destemida e forte, e um protagonista não-actor. Hugo Bentes é natural de Serpa e faz parte de grupos de cante alentejano, tendo sido um dos visados no documentário de Sérgio Tréfaut, onde também deu a cara ao cartaz do filme. No caso de Raiva, Bentes revela-se a escolha perfeita, com a alma de um homem da terra e uma grande presença. Das lides do teatro, surge a talentosa Rita Cabaço com um papel pequeno mas relevante, de uma jovem corajosa e emancipada, muito à frente no seu tempo, contra e o abuso de poder constante.

Eis um bom western à portuguesa.

1 comentário:

Vítor Ribeiro disse...

Adorei o filme! E a crítica!...