domingo, 30 de dezembro de 2018

Crítica: Dogman (2018)

*8/10*


Matteo Garrone regressa ao âmago da sua Itália, com uma história violenta, que não deixa de ser um reflexo de um país decadente. Dogman é uma espécie de western dos tempos modernos.

Numa zona degradada nos subúrbios de uma grande metrópole, Marcello (Marcello Fonte) é um homem pequeno e gentil de quem todos gostam, que divide os seus dias entre o trabalho no seu salão de beleza para cães, o amor pela sua filha, futebol com os amigos, e uma estranha relação de submissão com Simone (Edoardo Pesce), um ex-boxeur que aterroriza o bairro. Depois de alguns momentos difíceis e humilhantes, Marcello parece determinado em recuperar a sua dignidade.


Matteo Garrone insere-nos em Villagio Coppola (zona degradada perto de Nápoles onde já filmou anteriormente), um local sem tempo e quase sem lei, num cenário de western, que quase não parece real. Entre o abandonado e o decadente, o local proporciona planos tão fortes e belos que não nos cansamos de olhar.

O homem franzino e inocente, que trata de cães na sua petshop, e trafica droga nas horas vagas, é o protagonista ideal para Dogman, que se cria num misto de bondade e marginalidade. O seu coração ama a filha e os animais, com uma pureza quase pueril. Todos os que o rodeiam adoram-no. Por outro lado, o seu lado mais obscuro esconde um masoquismo quase inexplicável e é aí que surge Simone, o delinquente lá do bairro, um bully incorrigível que explora Marcello de todas as formas. Mas Marcello continua a admirá-lo e a defendê-lo, contra todas as expectativas.


Há uma certa comicidade na personagem de Marcello, a sua estatura, o seu ganha-pão, o seu jeito atarracado e sempre alegre, a sua submissão. Será que estamos a ser, também nós, bullies ao sorrirmos da desgraçada vida do protagonista? Mas da leveza de alguns momentos, depressa Garrone nos conduz para uma zona alucinatória, onde sonho e pesadelo se fundem numa realidade inesperada e quase fantasiosa. Marcello chega ao limite após uma sucessiva degradação, física e psicológica.

Há no protagonista uma dedicação a Simone semelhante à que tem aos cães (que trata carinhosamente por "amor"), só que o Homem não é fácil de domesticar. A violência parece ser o último recurso para Marcello, quase tão fiel como os cães de que cuida.

A história de Dogman é inspirada num caso real no final dos anos 80, mas Marcello não é Pietro De Negri. O protagonista de Dogman é construído como personagem de histórias fantásticas, entre a bondade, o desejo de justiça e a vontade de ser reconhecido pelo que é. Marcello Fonte é admirável neste papel, frágil e dócil, tranquilo e sensível. Há momentos de pura ternura que protagoniza quer com a filha, quer com os cães.


No fim de contas, Garrone traz até nós uma história dura e fantástica, que se alimenta de diversas referências da História do Cinema, numa construção que denuncia a decadência do país, de pessoas e lugares. Um alerta, violento e cheio de paixão pela arte.

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