segunda-feira, 18 de março de 2019

Crítica: Gabriel (2018)

"Acredita em ti que tu vais ganhar isto."
Paulo


*7/10*

Eis que as atenções se viram para o boxe e para a direita de Gabriel, a sua arma mais forte contra os adversários. Fora do ringue, mergulhamos numa vida a recomeçar num país diferente, em busca do caminho certo. Gabriel é de um realismo cruel, pouco experimentado no cinema português. A violência das palavras e dos actos mostra o pior dos seres humanos, mas também ensina como é possível construir o trilho mais digno.

Depois da morte da mãe, Gabriel (Igor Regalla), um jovem pugilista cabo-verdiano recém-chegado a Portugal, vem à procura do pai, um antigo campeão de boxe dos Olivais. Na busca, Gabriel entra em contacto com Rui (José Condessa), um membro violento do gangue local liderado por Jorge (Sérgio Praia), que organiza todas as lutas no bairro.


A história de Gabriel é simples e familiar. Filmam-se as dificuldades da vida num bairro social lisboeta, filma-se o racismo, a imigração, a violência, o medo e o desespero. Ao mesmo tempo, capta-se também o amor pela família, a força do desporto e a vontade de ser a nossa melhor versão. A história não nos é contada cronologicamente, mas o encadeamento temporal da narrativa constrói-se com naturalidade graças à montagem eficaz.

Gabriel é incansável na busca pelo seu pai, aventurando-se pelos locais mais sinistros da vizinhança. Ao mesmo tempo, vê na sua paixão pelo boxe a única solução para melhorar a vida dos seus. E mesmo que a ingenuidade do jovem protagonista por vezes nos deixe revoltados, certo é que a sua humildade e coragem criam a empatia necessária para torcermos por ele. Depois de ser Eusébio, Igor Regalla regressa ao grande ecrã e encaixa-se na perfeição na personagem, mesmo com o aspecto franzino que o caracteriza e que torna, ainda mais, Gabriel num herói improvável. O filme foi não só física como psicologicamente desafiante para o actor.


Ao seu lado, há muita química com Ana Marta Ferreira, a namorada que também sofre em silêncio, bem como com o seu rival no ringue de boxe, José Condessa. Um trio de jovens actores que funcionam muito bem em cena. Ainda de destacar são as personagens de Almeno Gonçalves - o treinador que protege e incentiva Gabriel -, e o vilão da história, totalmente desprovido de coração, interpretado e bem por Sérgio Praia.

A banda sonora, repleta de hip hop tuga, torna-se viciante por se encaixar completamente no ritmo e temática do filme. Destaque para Vado Más Ki Às (com uma participação especial na longa-metragem) que assina quatro temas de Gabriel, incluindo a canção original, Vai.


O realizador, Nuno Bernardo, consegue inserir-nos na vida do bairro sem que nos sintamos estranhos. A câmara coloca-nos no local, como mais um morador ou um curioso que aposta tudo em Gabriel. A violência é muito bem filmada, e cada soco parece-nos real, faz-nos sentir desconfortáveis na cadeira do cinema - e isso é muito bom! É fundamental que um filme marque quem o vê e Gabriel é capaz, em alguns momentos, de deixar-nos KO.

Gabriel é mesmo "um murro no estômago" (provavelmente dado com o punho direito do protagonista), um daqueles que o espectador de cinema bem precisa, de vez em quando.

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