A Competição Nacional do IndieLisboa'19 conta com 17 curtas-metragens. O Hoje Vi(vi) um Filme viu-as e deixa aqui uma pequena análise a cada uma.
A Casa, a Verdadeira e a Seguinte, Ainda Está por Fazer, de Sílvia das Fadas - 9/10
Sílvia das Fadas leva-nos a sonhar, entre histórias e locais inimaginados, mas reais. Eis um convite à descoberta da arquitectura mais surreal, da luz, da força de vontade e de personagens entusiasmantes. Somos inseridos em cenários de contos de fadas, sem princesas. Onde a magia dos locais - que a película torna ainda mais espectaculares e singulares - nos deixa absorvidos pelas imagens e pelo sonho de as conhecer.
A Casa, a Verdadeira e a Seguinte, Ainda Está por Fazer leva-nos numa jornada por utopias arquitectónicas que incluem um palácio de um carteiro, uma casa vermelha de um socialista e um jardim engendrado no feminino.
Fordlândia Malaise, de Susana de Sousa Dias - 8.5/10
Susana de Sousa Dias faz, em Fordlândia Malaise, um filme sobre a memória e o presente da homónima cidade, agora em ruínas, fundada em 1928 por Henry Ford na floresta amazónica. A partir de imagens de arquivo, planos imensos da cidade na actualidade e de testemunhos de quem ainda lá vive, constrói-se uma imagem de esperança no meio do abandono e da ruína. Destruição da floresta com vista ao progresso, uma cidade ergue-se, mas depressa tudo acaba - e o círculo vicioso continua, qual "metáfora do Brasil de hoje", como disse já a realizadora em entrevista.
Há montagem psicadélica, planos arrepiantes, qual cenário de ficção, onde se conjugam em pleno as lendas e histórias que os nossos contemporâneos nos contam. A música é outro símbolo de esperança, tal como o som dos pássaros, mostrando que a vida e a alegria ainda ali moram, por muito paradoxal que pareça. Fordilândia espera, parada no tempo, pelo progresso anunciado que parece ter partido sem sequer parar.
The Hood, de Patricia Vidal Delgado - 8.5/10
Patrícia Vidal Delgado constrói em The Hood um found footage sobre o processo criativo de um jovem actor que visita Compton (arredores de Los Angeles) e aprende mais do que desejava. A realizadora compõe a curta-metragem com ritmo e acção, cativando a atenção da plateia.
Através da câmara, naturalmente dinâmica, assistimos a todos os acontecimentos em redor do protagonista e somos, afinal de contas, a testemunha decisiva. É inevitável sorrirmos com o desenrolar dos acontecimentos de que, apesar da ingenuidade do protagonista, já prevíamos o desfecho.
Invisível Herói, de Cristèle Alves Meira - 8/10
Duarte, de 50 anos, tem uma deficiência visual. Anda à procura de Leandro, um imigrante cabo-verdiano desaparecido. Cristèle Alves Meira junta na mesma história, realidade e ficção com uma harmonia quase fantasiosa.
A música domina a Invisível Herói. Duarte canta, dança, apanha sol na praia, conversa com conhecidos e desconhecidos, tudo numa incessante procura por Leandro, o Invisível Herói do título. Por momentos, duvidamos da existência desta personagem que não encontramos, mas há quem o conheça para além de Duarte. Nesta jornada, vemo-nos, de repente, num ambiente totalmente inesperado, quase de sono ou de êxtase. Há alguns planos que ficarão na memória.
Em Caso de Fogo, de Tomás Paula Marques - 7.5/10
A paisagem do Ribatejo ardeu e Chico é assombrado pelo homicídio encapotado de um colega com quem esteve envolvido, ao mesmo tempo que procura integrar-se no grupo de amigos. Tomás Paula Marques cruza o drama dos incêndios e suas consequências com uma história de descoberta da sexualidade e do amor.
Em Caso de Fogo insere-nos num grupo de jovens de uma pequena aldeia, que não parece aberta à diferença. De dia tentam caçar-se perdizes, com pouco sucesso. À noite, as festas populares da terra são ponto de encontro para dançar e seduzir, mas também é aqui que se adensam as frustrações. Uma curta-metragem bem filmada e interpretada.
O Mar Enrola na Areia, de Catarina Mourão - 7/10
Em O Mar Enrola na Areia, Catarina Mourão conta uma história misteriosa, através de bonitas imagens de arquivo de famílias na praia, num filme experimental mas muito cativante. Contam-nos tudo através de conversas que surgem escritas no ecrã e somos, tal como a narradora, meros expectadores destas curiosidades, às vezes inquietantes, sobre um homem que todos reconhecem mas poucos sabem quem é ou de onde vem.
Era conhecido como Catitinha, que vagueava pelas praias portuguesas nos anos 1950. De barbas brancas e apito, atraia as crianças do areal. Catarina Mourão descobriu quatro segundos de película com ele num filme de família e tenta criar um retrato ficcional deste homem. A par de Catitinha, a praia assume um papel fundamental nesta curta-metragem, num retrato curioso da época balnear no Portugal dos anos 50.
Filomena, de Pedro Cabeleira - 7/10
Pedro Cabeleira traz Filomena ao IndieLisboa, um trabalho simples mas emotivo e cativante, com a arquitectura a assumir lugar de destaque - ou não tivesse o filme sido produzido no âmbito da Trienal de Arquitectura de Lisboa. O trabalho de Leonor Teles na direcção de fotografia merece também destaque. Filomena trabalha como empregada doméstica. Pedro Cabeleira acompanha-a ao longo de um dia, por diferentes espaços em que se cruza com amigos, amante, patrões e desconhecidos. Mas quem é Filomena?
Os dilemas da protagonista - acompanhados por seis obras de arquitectura portuguesa contemporânea - atormentam-nos e a curiosidade acerca dos seus pensamentos vai crescendo, até ao último plano. Emoções arquitectónicas seria uma boa descrição para Filomena, que enquadra bem a narrativa no espaço que a rodeia.
Welket Bungué é, para nós, uma das grandes promessas da realização em Portugal. Filma de forma entusiasmante, com planos ao nível de filmes de acção de renome. Arriaga é a curta-metragem que traz ao IndieLisboa'19. Acompanhamos o protagonista, Arriaga, vindo de uma família de emigrantes de classe média, que procura ser aceite pelos jovens do seu bairro. O preço a pagar pelo desejado respeito pode ser mortal. O aviso fica feito quando o amigo Kanja lhe sussurra: "A tua sina é outra".
Tecnicamente, Arriaga deixa-nos rendidos, começando desde logo pelo plano sequência de cerca de cinco minutos que abre o filme. Apesar do ritmo da história se perder após a metade da curta - o argumento torna-se confuso, talvez por derivar de uma websérie, Vã Alma - é de destacar o bom trabalho dos actores (Cleo Tavares, Gio Lourenço, Mauro Hermínio...) e da direcção de fotografia de Nuno Casanovas.
Filmado em São Miguel, Pico e Faial, o documentário de Paulo Lima, Memória e Dicionário, leva-nos numa visita às lembranças daqueles que ainda trabalharam e conheceram a indústria baleeira nas ilhas dos Açores. Junto dos antigos baleeiros - quais personagens de Moby Dick -, conhecemos aventuras e perigos que nos relatam, ao mesmo tempo que recordam com saudade a movimentação que havia no porto nos seus tempos áureos. Restam estátuas, que lembram o tempo da caça às baleias e um museu que preserva a memória dos objectos, pessoas, canoas, ossos de baleia, miniaturas de barcos...
A acompanhar o documentário está a força das ondas que galgam a terra e cujo som aterrador nos remete para coragem de quem enfrentou este mar. O que, de forma um tanto irónica, contrasta com a actualidade, em que um centro comercial serve de local para a exposição de uma embarcação baleeira e onde são agora os turistas que anseiam pelo vislumbre de baleias.
Arriaga, de Welket Bungué - 7/10
Welket Bungué é, para nós, uma das grandes promessas da realização em Portugal. Filma de forma entusiasmante, com planos ao nível de filmes de acção de renome. Arriaga é a curta-metragem que traz ao IndieLisboa'19. Acompanhamos o protagonista, Arriaga, vindo de uma família de emigrantes de classe média, que procura ser aceite pelos jovens do seu bairro. O preço a pagar pelo desejado respeito pode ser mortal. O aviso fica feito quando o amigo Kanja lhe sussurra: "A tua sina é outra".
Tecnicamente, Arriaga deixa-nos rendidos, começando desde logo pelo plano sequência de cerca de cinco minutos que abre o filme. Apesar do ritmo da história se perder após a metade da curta - o argumento torna-se confuso, talvez por derivar de uma websérie, Vã Alma - é de destacar o bom trabalho dos actores (Cleo Tavares, Gio Lourenço, Mauro Hermínio...) e da direcção de fotografia de Nuno Casanovas.
Memória e Dicionário, de Paulo Lima - 7/10
Filmado em São Miguel, Pico e Faial, o documentário de Paulo Lima, Memória e Dicionário, leva-nos numa visita às lembranças daqueles que ainda trabalharam e conheceram a indústria baleeira nas ilhas dos Açores. Junto dos antigos baleeiros - quais personagens de Moby Dick -, conhecemos aventuras e perigos que nos relatam, ao mesmo tempo que recordam com saudade a movimentação que havia no porto nos seus tempos áureos. Restam estátuas, que lembram o tempo da caça às baleias e um museu que preserva a memória dos objectos, pessoas, canoas, ossos de baleia, miniaturas de barcos...
A acompanhar o documentário está a força das ondas que galgam a terra e cujo som aterrador nos remete para coragem de quem enfrentou este mar. O que, de forma um tanto irónica, contrasta com a actualidade, em que um centro comercial serve de local para a exposição de uma embarcação baleeira e onde são agora os turistas que anseiam pelo vislumbre de baleias.
Grbavica, de Manel Raga Raga - 6/10
Grbavica, um bairro de Sarajevo, é palco da curta-metragem homónima de Manel Raga Raga, que o filma a preto e branco, sob a direcção de fotografia de André Gil Mata. Uma bola gira sem parar, presa no rio que atravessa o bairro.
Baseado no conto Um Fratricídio, de Franz Kafka, Grbavica apresenta-nos a dois homens (assumimos que são irmãos), cuja trágica vida actual se cruza com a infância e se desconstrói no ecrã, através de planos lentos mas de grande sensibilidade que lembram Andrei Tarkovski ou Béla Tarr (o mentor da Film Factory, a escola onde Manel Raga Raga estudou, em Sarajevo). As memórias que o protagonista vê (ou imagina) do outro lado do rio contam-nos o passado. Ou será tudo uma coincidência?
Past Perfect, de Jorge Jácome - 6/10
Jorge Jácome continua a dar asas ao experimentalismo e em Past Perfect divaga sobre presente e passado, perdendo-se na História Mundial e nas emoções. Diz-nos que o passado era melhor que o presente, mas, afinal, qual passado? O realizador leva-nos, através de uma geografia da melancolia, numa série de associações livres que atravessam vários séculos da História. Past Perfect coloca-nos, por fim, a questão: qual o lugar da tristeza?
Certo é que nunca estamos satisfeitos com o momento em que vivemos, mas, ao olhar para trás, será que, se pudéssemos voltar atrás no tempo, conseguiríamos encontrar uma época sem tristeza ou crueldade? Há várias questões que se colocam - quer do lado do realizador, quer do da plateia -, e entre as imagens quase alucinatórias, Jácome deixa espaço para a reflexão.
Alice decide ir viver para Berlim, e Ema, sua colega de casa, organiza-lhe um jantar de despedida. Em Os Inúteis, Rui Esperança mostra-nos como tudo tem um fim. Apesar de tudo, parece que nenhuma das personagens deste filme está segura quando às decisões que tomou ou está prestes a tomar.
Uma reflexão simples e sincera sobre o efeito das mudanças na vida dos jovens, onde os desencontros são mais comuns do que aparentam. As pessoas afastam-se sem notarem e a solidão e as incertezas são uma constante muito maior.
Os Inúteis, de Rui Esperança - 6/10
Alice decide ir viver para Berlim, e Ema, sua colega de casa, organiza-lhe um jantar de despedida. Em Os Inúteis, Rui Esperança mostra-nos como tudo tem um fim. Apesar de tudo, parece que nenhuma das personagens deste filme está segura quando às decisões que tomou ou está prestes a tomar.
Uma reflexão simples e sincera sobre o efeito das mudanças na vida dos jovens, onde os desencontros são mais comuns do que aparentam. As pessoas afastam-se sem notarem e a solidão e as incertezas são uma constante muito maior.
Em Heatstroke, o calor corre nas veias, dilata corpos cavernosos e as confissões soltam-se da língua. Na sua estreia na realização, o actor Edgar Morais reflecte sobre a desorientação sexual e existencial desta geração.
A expressividade da actriz principal cativa-nos a atenção para a sua conversa desnorteada, confusa e repetitiva. O calor adensa todo o clima de desequilíbrio a que assistimos e também nós vamos duvidar do que estamos a ver. Um trabalho experimental e atrevido, filmado em 16mm e que quer deixar também o espectador desorientado.
A expressividade da actriz principal cativa-nos a atenção para a sua conversa desnorteada, confusa e repetitiva. O calor adensa todo o clima de desequilíbrio a que assistimos e também nós vamos duvidar do que estamos a ver. Um trabalho experimental e atrevido, filmado em 16mm e que quer deixar também o espectador desorientado.
Estudos de Muybridge e Etc…, de Júlio F. R. Costa - 5.5/10
Estudos de Muybridge e Etc…, a animação de Júlio F. R. Costa, investiga o movimento a partir da obra do fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, com os devidos acrescentos.
Rimas e aliterações, em jogos fonéticos, acompanham a dança das imagens da curta-metragem de animação de Júlio F. R. Costa, entre batalhas, cavalgadas, pássaros, corpos nus e linhas irrequietas. Uma curta, acima de tudo, divertida.
Bela Mandil, de Helena Estrela - 5.5/10
Os amantes caminham de mão dada, à beira mar, como espectros, em Bela Mandil, de Helena Estrela, inspirado numa lenda algarvia sobre um amor proibido que assombra uma vila de pescadores.
A realizadora constrói o filme a partir de textos de Almeida Garrett e Luís de Camões e o amor impossível em tempos de conquista e reconquista paira na praia e nas grutas, assombrado pelos sonhos da mulher. Ao mesmo tempo, o tom trágico surge desde o início e é adensado pela teatralidade com que os actores interpretam o texto.
Espectros da Terra, de Clara Pais e Daniel Fawcett - 5/10
Clara Pais e Daniel Fawcett filmam em Super8 as paisagens, onde seres místicos proliferam, ao mesmo tempo que se fundem com a Natureza. Estranhos espíritos e criaturas habitam uma misteriosa paisagem de folhagens e ruínas.
As cores, adensadas pela película, tornam o experimental Espectros da Terra um quadro em movimento.
Poder Fantasma, de Afonso Mota - 5/10
Poder Fantasma, de Afonso Mota, coloca em foco a importância do som no Cinema, e põe-nos de ouvidos bem atentos. A procura do som ideal é o mote e o grande objectivo do protagonista. Rafael é director de som e foi incumbido de encontrar um som que falta ao filme em que está a trabalhar. Poder Fantasma, de Afonso Mota, retrata, ao mesmo tempo, Lisboa e a nova geração do cinema português.
O grande ponto forte de Poder Fantasma é exactamente todo o trabalho de som que é feito, num jogo de atenção com o espectador, que passa a ter a mesma responsabilidade que Rafael.
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