Faz-me Companhia (crítica aqui) estreou nos cinemas nacionais esta Quinta-feira, dia 2 de Julho, e o realizador Gonçalo Almeida respondeu a algumas questões do Hoje Vi(vi) um Filme. Mais um convite para mergulhar no terror psicológico em português.
Depois de várias curtas-metragens, a tua primeira longa estreia nos cinemas no dia 2 de Julho, ainda com o fantasma do Covid-19 a pairar. Que oportunidades te traz o desafio que é lançar um filme numa altura de excepção?
Gonçalo Almeida: Foi a oportunidade que nos foi dada e, nesse aspecto, não foi bem uma opção. Os filmes têm que começar a estrear e alguém tem que o fazer. Penso que iremos viver numa altura de excepção durante vários anos, especialmente, na área do cinema. As coisas jamais serão como foram. Espero continuar a trabalhar e a aproximar-me da minha audiência. Espero também, que esta mudança de paradigma nos traga novas oportunidades a todos.
Depois de Thursday Night, em Faz-me Companhia segues a mesma linha do terror ambiente, agora mais psicológico mas com a ideia da assombração sempre presente. É um estilo onde gostas especialmente de trabalhar? Vês-te a continuar no terror ou a arriscar outros géneros?
Gonçalo Almeida: Vejo-me a continuar a fazer filmes de género, de terror, de ficção científica e também o que está nas fronteiras entre ambos e entre estes e outros géneros. Cresci a gostar de cinema por ver filmes de género. Os filmes que me fizeram sonhar foram os filmes de terror dos anos 80, nomeadamente o Pesadelo em Elm Street. Em miúdo, era muito assustadiço, qualquer barulho me assustava. Tendo essa sensibilidade e sendo exposto a filmes de terror, em criança, o impacto que estes tiveram em mim acabou por ser intenso. O género de terror é um espaço vasto onde vale tudo, pois existe no mundo da imaginação. Gosto de caminhar por este mundo e contemplar as possibilidades. Ter um sonho e poder partilhá-lo, tornando-o visível.
Quais as tuas principais influências cinematográficas ou artísticas?
Gonçalo Almeida: As influências vão mudando ao longo dos anos. Em relação à maior parte delas, nem estou consciente do quanto me influenciam. Nos tempos que decorrem, dou por mim cada vez a ler mais e a ver menos filmes. Tenho deambulado pela literatura gótica e a “weird fiction”. Comecei há uns anos atrás por escritores mais conhecidos como H.P. Lovecraft e agora tenho me aventurado a conhecer nomes menos sonantes como E.T.A. Hoffmann ou Maurice Sandoz. Basicamente, encontro-me sempre mais ou menos perto dos surrealistas. Sem André Breton não teria tido a força para achar que era sequer legítimo tentar fazer o que faço. Acho que o cinema de terror é uma forte expressão do movimento surrealista.
Faz-me Companhia é a prova de que com pouco se pode fazer muito. Duas actrizes, uma casa, uma história simples, o resto é a tua imaginação a trabalhar. Como surgiu a ideia para este filme?
Gonçalo Almeida: Imaginei que uma piscina poderia funcionar como metáfora para representar o espaço que duas pessoas ocupam numa relação amorosa. Quando estamos dentro de água, não vemos nem ouvimos o que está do lado de fora. E quando estamos fora de água, não vemos nem ouvimos o que se passa dentro de água. Ou seja, cada pessoa ocupa a sua realidade e ausência de comunicação entre as duas realidades poderá causar ruptura e até tragédia.
Como foi todo o processo de rodagem? Como foi trabalhar com a Filipa Areosa e a Cleia Almeida, ainda para mais com a particularidade da Cleia estar grávida?
Gonçalo Almeida: A equipa e o elenco portou-se optimamente. A Cleia surpreendeu-me muito, pois estando grávida, manteve o profissionalismo e o nível de trabalho que eu esperava. Tanto a Cleia como a Filipa foram actrizes que me deram a sua confiança e me ajudaram a ultrapassar as dificuldades que tive que enfrentar durante a rodagem. Sendo um filme independente, Faz-me Companhia foi rodado em pouco tempo e com pouco dinheiro, o que faz com que o processo tenha sido mais difícil do que é normal. Desta forma, foi bom contar com uma equipa e elenco lutadores e competentes para enfrentar as adversidades que surgiram no nosso caminho.
Em Faz-me Companhia, para além da paranóia crescente, encontrei uma espécie de hino à feminilidade e à maternidade. Fiz uma leitura correcta das tuas intenções? O que pretendias transmitir com este filme?
Gonçalo Almeida: Penso que tenhas feito uma leitura correcta das minhas intenções. Fui criado por mulheres muito fortes e num ambiente, de certa forma, matriarcal. Interesso-me portanto em entender melhor as mulheres, trabalhando personagens femininas. O que pretendia transmitir no filme, nele está implícito. A reflexão sobre a solidão, nas suas diversas formas, é algo recorrente no meu processo mental.
Porque é que o público português deve ir ver o teu filme?
Gonçalo Almeida: Acho que numa altura destas precisamos de outro tipo de terror do que aquele a que nos estão a tentar habituar. Precisamos de ficção, de sonhar, chorar e ter medo, tudo isto num ambiente seguro. Precisamos de expressar essas emoções de forma catártica e em segurança.
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