Na corrida para o Prémio Melhor Curta de Terror Portuguesa / Méliès d'argent do MOTELx 2020 estão 12 curtas-metragens. Há terror para todos os gostos com A Grande Paródia, de André Carvalho; Carnaval Sujo, de José Miguel Moreira; Com Sono, Mas Não Durmo, de Tiago Bastos Nunes; Death on Tape, de Pedro Miguel Costa; O Intruso, de Hugo Pinto; Karaoke Night, de Francisco Lacerda; Loop, de Ricardo M. Leite; Mata, de Fábio Rebelo; Mirror Room, de David Seguro; Petrichor, de Gustavo Silva; Porque Odeias o Teu Irmão?, de Pedro Martins e Inês Marques; e O Silêncio, de Pedro Caldeira e Paulo Graça.
O Hoje Vi(vi) um Filme viu as curtas-metragens em competição e deixa-te uma breve análise.
"Um realizador adormece enquanto vê televisão e sonha sobre vender a alma a troco de fama e glória." A Grande Paródia traz-nos um filme a preto e branco, filmado em película de 8mm, onde os sonhos comandam a acção e revelam o quão longe o protagonista pondera ir para alcançar os seus objectivos.
André Carvalho realiza, escreve, produz e é o actor principal neste filme mudo, que joga com ambições recalcadas que os sonhos fazem surgir. O bom trabalho de caracterização e efeitos especiais contribuem para a sensação de horror - e alguns arrepios - com o que vemos no ecrã - e com muito gore à mistura.
"Os namorados Pedro e Inês viajam de Lisboa para assistir ao Carnaval de Ovar. Perdem-se nos pântanos da Ria, onde quase atropelam Teresa, uma criança desaparecida.Teresa foge, e Pedro e Inês procuram-na na laguna, ao mesmo tempo que a protegem de um estranho e perigoso grupo de mascarados que também procura a criança: os Dominós..."
Nem tudo é o que parece, muito menos no Carnaval, será a principal mensagem a reter do filme de José Miguel Moreira, Carnaval Sujo. A curta-metragem mergulha nas tradições do Carnaval de Ovar para criar um ambiente de suspeita constante, sensualidade e descoberta. O título Carnaval Sujo remonta aos anos 50, momento crítico destas festividades, onde os mascarados aproveitavam para cometer crimes.
"Uma viúva que grava os próprios sonhos é incapaz de dormir até que o marido regresse a casa. Uma viagem pela memória daqueles que já partiram e a morte que nem sempre é aceite por aqueles que ficaram." Com Sono, Mas Não Durmo traz-nos uma arrepiante performance de Cucha Carvalheiro, na pele de uma mulher perturbada e que parece não suportar a ideia de que o marido morreu.
Entre a espera infinita, as noites sem dormir, em vigília, a rotina diária que mantém, enlouquecem a protagonista, e Tiago Bastos Nunes sabe como contagiar a plateia com a desorientação, a par do comportamento arrepiante desta viúva.
"Frank, um engenhoso guitarrista de metal, determinado em entrar para a história do rock graças a uma inovação capaz de superar o famoso 'live on tape', consegue, para esse fim, atrair Angie, uma sensual bailarina." Death on Tape, de Pedro Miguel Costa, usa a sensualidade e a música para criar um filme de terror.
Da beleza e ingenuidade da protagonista, ao ideal macabro idealizado pelo músico, Death on Tape é atento ao detalhe e sabe manter o suspense, alcançando um final pouco previsível.
"Dois turistas desprezíveis passam a noite num bar de Karaoke, nos Açores, quando dão de caras com uma jovem sedutora a cantar.. Mal sabem eles que a rapariga tem intenções maléficas. Karaoke Night é uma história sobre amizades bizarras e um lembrete para não tomarmos tudo como garantido, a menos que planeie ter a noite da sua vida, literalmente." Karaoke Night marca o regresso do realizador Franscisco Lacerda regressa ao MOTELx, com o dedo de Fernando Alle (Mutant Blast). O humor negro e com muito gore em português não podia faltar à Competição Portuguesa, numa espécie de revenge movie.
Karaoke Night é uma paródia com muito sangue, personagens estereotipadas e seres de outro planeta, tudo acompanhado por uma música de karaoke, num bar dos Açores, em tons néon.
"O ano é 2113, a humanidade encontra-se no limiar da extinção devido ao avanço tecnológico. Raquel procura encontrar uma solução para o problema recorrendo à inteligência artificial. "Loop", um filme hipnótico que explora uma realidade distópica". E quem disse que Portugal não se pode aventurar na ficção científica? Loop, de Ricardo M. Leite serve de prova que é possível fazê-lo com bastante competência.
Loop demarca-se pelo visual, parte futurista, parte de desolação, num mundo destruído, com a tecnologia e a inteligência artificial a tomar lugar - e um grande foco para a consciência ambiental. Um filme construído entre duas dimensões, com muitos mistérios e um grande trabalho de direcção artística, maquilhagem, guarda-roupa e efeitos especiais e sonoros.
"Um casal perdido na floresta acaba por se encontrar. Mas qual será o preço a pagar por esse reencontro?" Logo desde o título, Mata, de Fábio Rebelo, troca-nos as voltas. Um casal passeia por entre as árvores, mas já não sabe onde está e não tem rede no telemóvel. Estão apenas em contacto um com o outro, até que uma sequência de acontecimentos têm lugar.
O realizador constrói uma narrativa circular e perturbadora, num ambiente isolado e sombrio, propício às histórias de terror. Será melhor estar perdido ou encontrar-se?
"Luís é um rapaz que aparenta ser normal, revive constantemente o mesmo sonho interrompido apenas pelo toque ensurdecedor de um telefone antigo. Estes sonhos começam a revelar uma verdade aterrorizante e a consumir aos poucos a vida de Luís." David Seguro apresenta-nos Mirror Room, com uma narrativa onde os sonhos persistentes e repetitivos assombram a existência do jovem protagonista.
Mirror Room joga com o sonho e a realidade, sendo difícil distingui-los, após tantas noites agitadas, tantos desenhos sonâmbulos, tanta tinta preta, tanto sangue. Entre a claustrofobia de um quarto fechado e de pesadelos insistentes, Luís duvida de si e do que acontece em seu redor. Bom trabalho de montagem, ritmado e consistente para o crescendo de tensão da curta-metragem.
"Uma adaptação moderna do conto The Outsider do escritor americano H.P. Lovecraft. Um misterioso indivíduo que habita sozinho num castelo decide libertar-se em busca de algum contacto humano e de luz." Hugo Pinto cria a sua visão muito própria do conto que adapta, com Cláudia Semedo a dar a cara ao misto de emoções, choque e terror.
O Intruso é um trabalho muito subjectivo e dinâmico. A protagonista confronta-se consigo própria e com os medos e horrores que a fechavam em si e dentro do castelo, qual fortaleza intransponível.
"O silêncio desenhava as paredes, cobria as mesas, emoldurava os retratos. O silêncio esculpia os volumes, recortava as linhas, aprofundava os espaços. Foi então que se ouviu o grito. A partir do conto Silêncio de Sophia de Mello Breyner". Mais uma adaptação da literatura para o cinema nesta competição de curtas nacionais do MOTELx. Filmado em película de 16mm, a preto e branco, O Silêncio, de Pedro Caldeira e Paulo Graça, convida-nos a entrar no universo psicológico da protagonista.
Um trabalho onde as sombras e os sons ganham especial destaque, bem como os olhares que se cruzam e dizem muito mais do que as palavras. Há segredos, medos e circulo que se fecha.
"Uma artista pinta as suas inseguranças. Quem ganhará?" A proposta de Gustavo Silva, Petrichor, leva-nos às pinceladas que compõem um quadro, onde várias figuras nos olham sérias e inquisidoras. A pintora cria, mas sente-se ameaçada - ou perseguida - pela sua criação, mas esta persiste, mais não seja acompanhando-a no pedaço de tinta marcado no seu rosto.
A obra de arte ganha uma dimensão mística - um reflexo dos nossos medos - no filme de Gustavo Silva. Um trabalho simples, mas inspirado, com um plano final de arrepiar.
"Clara e Vítor são dois irmãos com uma relação conturbada, marcada pelo desacordo sobre o rumo a tomar em relação à relíquia da família. A relação será ainda mais abalada pelo súbito aparecimento de um visitante inesperado chamado Luís." Porque Odeias o Teu Irmão? é um trabalho cheio de substância e detalhes, com leituras históricas que irão além da visualização.
Carla Chambel incorpora uma mulher que vê a sua vida anulada para cuidar da mãe (Carmen Santos) doente e o seu olhar espelha a loucura que dela se tem apoderado. A decoração da casa onde habitam causa arrepios e carrega as memórias de uma família que viveu em Moçambique - uma herança causadora de desavenças familiares. Mas a chegada de um homem (Welket Bungué, revelando grande química no ecrã com Carla Chambel) faz com que o passado de duas famílias se cruzem. Os objectos contam-nos a história que Pedro Martins e Inês Marques tão bem constroem no ecrã. Porque Odeias o Teu Irmão? faz reflectir sobre a herança colonial, com uma história de terror e suspense crescente a lançar subtilmente o debate.
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