terça-feira, 13 de julho de 2021

Entrevista: Joana Pontes, realizadora de Visões do Império

O documentário Visões do Império estreia esta Quinta-feira nos cinemas portugueses. Aproveitando a ocasião, o Hoje Vi(vi) um Filme colocou algumas questões à realizadora Joana Pontes. Aqui, podes conferir a entrevista e descobrir mais algumas curiosidades sobre o filme.

Foram as suas memórias e fotografias dos tempos vividos em Angola que a motivaram a avançar com este projecto? Como se desenvolveu a ideia do documentário, após sair deste campo mais individual e se virar para a reflexão colectiva?

Joana Pontes: A ideia para este filme começou quando estava a trabalhar na investigação para o meu doutoramento em História, que terminaria numa dissertação intitulada Sinais de Vida, correspondência da guerra, 1961-1974. Percebi que nas cartas trocadas entre os militares, suas famílias e amigos, circulavam muitas fotografias, entre outras coisas como dinheiro, imagens religiosas, amuletos, etc. Fui à procura de trabalho académico sobre fotografia da guerra mas nada encontrei. (Hoje encontraria o excelente trabalho que a Maria José Lobo Antunes está a desenvolver nesta área). Entretanto, vi o livro O Império da Visão, um trabalho sobre fotografia colonial coordenado pela Filipa Vicente que conta com inúmeras contribuições, sobre os usos, disseminação, etc. Fiquei a pensar como seria interessante fazer um filme que, numa linguagem apropriada, trabalhasse alguma desta investigação que raramente sai do espaço académico e a pusesse no espaço público. Fui ter com o Miguel Bandeira Jerónimo, que já conhecia, autor de um dos textos deste livro e historiador. Falei-lhe desta ideia e ele ficou entusiasmado. Desafiámos a Filipa Vicente para se juntar a nós. Entretanto, passei umas boas horas a olhar para as fotografias da minha infância e da família e percebi que era a partir delas que se colocavam as questões que me foram surgindo. E assim foi.

Quais os principais encantos que encontra nos arquivos fotográficos?

Joana Pontes: Encanto é uma palavra interessante nesta conversa porque é disso mesmo que se trata. Diria que estar nos arquivos, na minha condição de investigadora, faz-me esquecer o tempo. A riqueza dos arquivos é extraordinária. E está tanto por fazer.  Há poucos meios humanos e fraco investimento, talvez porque não seja um assunto muito mediático. É uma pena, revela visão curta. 

Dos vendedores da Feira da Ladra aos arquivos "oficiais", onde fez as suas descobertas mais interessantes?

Joana Pontes: O Arquivo Histórico Ultramarino é fundamental. Mas não gostaria de os diferenciar porque em todos os que visitei encontrei verdadeiros tesouros. Penso que terá de haver uma melhor articulação entre a universidade e os arquivos e quero incluir aqui, também, de forma lata, a sociedade. Será pela riqueza dessa articulação que vão ter de aparecer os meios necessários para esses trabalhos de extrema utilidade, o da preservação e o do conhecimento. Se não houver investigação as imagens (e os documentos de arquivo em geral) ficarão mudas, como diz sabiamente a Cármen Rosa no fim do filme. Nada nos dirão sobre o nosso passado.

Continua ainda a falar-se pouco sobre os tempos coloniais e a falta de materiais de arquivo poderá para isso contribuir. O seu Visões do Império dá já um impulso para o debate, mas que mais se poderá fazer para que Portugal deixe de ter medo de falar sobre o seu passado?

Joana Pontes: A questão colonial vai surgindo cada vez mais, também à boleia de outros países que estão a tratar dos seus próprios assuntos. Veja-se a França e o pedido que foi feito ao historiador Benjamin Stora por causa da questão da Argélia. Aqui em Portugal a discussão está ainda muito polarizada e ancorada em opiniões, acusações e avaliações pouco fundamentadas, com frequência relacionadas com grupos de pertença. Na minha opinião, a escola tem de falar destes temas, pô-los nos programas, nos manuais, discuti-los desde cedo, apoiados em factos compreendidos no seu contexto, de forma, o mais possível, desapaixonada. Se começarmos cedo, o medo desaparece. 

Da fotografia como memória familiar à sua utilização com fins propagandísticos vai uma distância menor do que imaginamos à primeira vista, contudo, o contexto é fundamental para contar a História. Neste caso, deixamos cair o ditado "uma imagem vale mais que mil palavras"?

Joana Pontes: No início espantei-me muito com a extraordinária qualidade de muitas das fotografias que vi, o enquadramento, a luz, a beleza da composição. Mas as imagens não são neutras. Para as compreendermos temos de conhecer o contexto de produção, a razão porque foram feitas, quem são os autores, quais as datas, onde foram feitas...

Qual espera que seja a reacção do público ao seu filme?

Joana Pontes: Não sei o que vai suceder. Com o Miguel e a Filipa, fiz este filme para contribuir para o debate sobre a questão colonial. Focámo-nos neste aspecto particular, no uso da fotografia para a criação, disseminação e consolidação de uma ideia de império, e, também, para a sua contestação. Tentámos apresentar as questões de forma clara e fundamentada. Foi o objectivo a que nos propusemos. Esperamos tê-lo cumprido.

Lê a crítica do Hoje Vi(vi) um Filme ao filme Visões do Império

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