quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Crítica: Sombra (2021)

"Eu só sei esperar por ele."

Isabel

*6.5/10*

Bruno Gascon não receia temas delicados e o realismo social continua a marcar a sua filmografia. Depois do tráfico humano, em Carga (2018), agora o foco está nas crianças desaparecidas e suas famílias, a quem Sombra, a segunda longa-metragem do realizador, presta homenagem.

"Em 1998, Isabel tinha a família perfeita até que um dia chega a casa e descobre que o seu filho de 11 anos desapareceu. A partir desse momento tudo muda. Apesar da cobertura mediática do caso e da existência de um suspeito a justiça falha constantemente e Isabel percebe que somente ela poderá manter viva a busca por Pedro. Passam-se quinze anos e apesar de todos os obstáculos que encontra Isabel vai continuar a fazer de tudo para reencontrar o filho que todos querem que esqueça, mas que ela acredita que ainda está vivo."

O desaparecimento de crianças, a dor das famílias, a incompetência das autoridades e o mediatismo temporário dos casos, tudo se transforma num pesadelo interminável que Sombra retrata bem. Apesar de um início morno, a longa-metragem ganha intensidade e tensão, em especial, quando surgem novos dados e um novo inspector à frente da investigação. O Caso Rui Pedro foi uma das grandes referências de Bruno Gascon para este filme.

O filme divide-se por anos, com a montagem a destacar a passagem do tempo, o quanto o caso se arrasta com poucos ou nenhuns desenvolvimentos, e o definhar de uma família, totalmente destroçada. Pelo meio, há interlúdios onde ouvimos, em voz off, a protagonista Isabel, a falar sobre o que sente e o quanto lhe dói a ausência do filho, como se mergulhasse num abismo sem fim, e que são um ponto menos positivo do filme, cortando o ritmo da acção. Tudo o que nos é dito nós vemos e captamos na interpretação sentida e emotiva de Ana Moreira, em cada plano, em cada cena.

E a actriz é sublime na pele de Isabel. A fragilidade que aparenta esconde a força de nunca desistir, a resiliência, mesmo que a dor a tente derrubar (e a vença, momentaneamente), várias vezes, ao longo dos anos. Em Sombra, os expressivos olhos da actriz são verdadeiro espelho do que vai na alma e coração da personagem. No elenco, destaque ainda para Miguel Borges, o pai, num conflito constante entre seguir em frente ou continuar a alimentar a esperança de encontrar o filho; e Ana Cristina Oliveira, mais uma vez num papel secundário - mas chave para esta história -, que desempenha com a garra e talento que a tem caracterizado.

Ainda de destaque é o trabalho da direcção de fotografia que realça as sombras do título, criando um ambiente escuro e frio, adensando a tristeza que assombra a vivência desta família. E entre os tons sombrios que percorrem o filme, há uma cor viva que sobressai como luz no guarda roupa de Isabel (e também na cor do lettering do título): o amarelo, que Ana Moreira enverga em quase todas as cenas (seja num vestido, blusa ou mala de viagem), e parece sugerir a réstia de expectativa no reencontro com a alegria de viver perdida - e com o filho.

Sombra é uma homenagem aos que ficaram e continuam a lutar e aos que desapareceram para que nunca caiam no esquecimento.

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