quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Crítica: A Favorita / The Favourite (2018)

"Sometimes a lady likes to have some fun."
Lady Sarah


*8.5/10*

Eis o trio de actrizes mais triunfal do ano: Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone. Yorgos Lanthimos está de regresso com A Favorita, um filme que sai um pouco dos cânones a que nos tem acostumado. Uma longa-metragem de época especialmente bem filmada, com protagonistas assombrosas, que vagueia entre a comédia negra e o drama com a destreza que só mesmo o realizador grego consegue captar.

Repleto de influências de outros filmes e cineastas (o filmSPOT tem um bom artigo sobre isto mesmo), a verdade é que A Favorita consegue destacar-se pela identidade própria que traz em si.


No início  do  século  XVIII,  a Inglaterra  está  em  guerra com a França.  No  entanto, as corridas  de  patos continuam a prosperar e comem-se ananases ostensivamente no reino. Uma frágil rainha Anne (Olivia Colman) ocupa o trono e a sua amiga mais próxima, Lady Sarah (Rachel Weisz), governa o país por ela, ao mesmo tempo que cuida da saúde precária de Anne e gere o seu temperamento imprevisível. Quando a nova criada Abigail (Emma Stone) chega, o seu charme conquista Sarah. Abigail vê uma oportunidade de voltar às suas raízes aristocráticas. Como a guerra acaba por consumir o  tempo de SarahAbigail  entra em  cena subtilmente para assumir o  papel  de dama de companhia da rainha e não deixará que nenhuma mulher, homem, política ou coelho se coloque no seu caminho.

Menos inusual, mas com a mesma perspicácia e ousadia, Yorgos Lanthimos comanda a câmara com pulso e brusquidão, abanando os sentidos e emoções da plateia, que balança entre a beleza estética e a história, onde o poder domina todas as personagens e a humilhação espreita em cada canto do palácio. Desde a lente olho de peixe à grande angular, são várias as técnicas de distorção do "olhar" que vemos ao longo de A Favorita, e Lanthimos insere-nos na estranheza de uma época distante e nas extravagâncias da corte de uma rainha doente e deprimida. Enquanto a rainha definha, a corte perde tempo com trivialidades ou passatempos delirantes (quase tanto quanto a filmografia de Lanthimos).


A fabulosa fotografia, que tira partido da exigência que a película necessita, é um dos motores de A Favorita, com muitas cenas onde são apenas velas que iluminam o cenário. Um trabalho de mestre do director de fotografia Robbie Ryan.

São as mulheres que dominam as decisões do reino, e apenas a personagem de Nicholas HoultRobert Harley, se destaca no que toca a influências masculinas. A palavra final é da rainha, que não gosta de pensar em demasia (já Fernando Pessoa falava na dor de pensar), e tanto Sarah como Abigail lutam por serem o cérebro da realeza, a favorita de Anne.

Olivia Colman é enorme no papel de rainha, transfigurando-se conforme a debilidade da personagem. Uma mulher atormentada pelas dores física e psicológica, ingénua, desnorteada e apaixonada, em especial pelos seus 17 coelhos de estimação. Anne parece, por vezes, uma criança mimada ou um bebé indefeso. A actriz engordou cerca de 16 kg para vestir a pele da rainha Anne e é grande parte da alma do filme.


Ao seu lado, as duas servas rivais - Rachel Weisz, Lady Sarah, a melhor amiga da rainha que assume as decisões do reino a favor das suas simpatias políticas e que mais possam convir ao marido; uma mulher fria e calculista, que acaba por ser também manipulada; e Emma Stone, a criada Abigail, ambiciosa e sem escrúpulos, que vagueia entre o ar mais angelical e inocente ao mais perverso e maquiavélico. As duas actrizes superam-se, Weisz com maturidade e seriedade, num desempenho cheio de elegância e talento, Stone com a rebeldia que lhe é característica. Mais uma vez, revela-se uma excelente actriz de comédia e apenas fica a faltar-lhe um pouco mais de maldade - que a personagem pede muito.


Com A Favorita, Yorgos Lanthimos saiu da sua zona de conforto, onde deixa a plateia desconfortável com os seus retratos-limite da sordidez humana (Canino, A Lagosta, O Sacrifício de um Cervo Sagrado...), para se aventurar num filme menos complexo mas repleto das suas marcas autorais e influências. E temos de confessar, nem num filme de época ele nos dá sossego. E ainda bem.

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