sexta-feira, 26 de julho de 2019

Entrevista a Jorge Pelicano, realizador de Tony

Tony, o documentário sobre Tony Carreira, chegou aos cinemas esta Quinta-feira, dia 25 de Julho. O Hoje Vi(vi) um Filme fez algumas perguntas ao realizador, Jorge Pelicano, cuja filmografia conta com títulos como Ainda Há Pastores? (2006), Páre, Escute, Olhe (2009), Pára-me de Repente o Pensamento (2014) e Até Que o Porno nos Separe (2018).


Como surgiu a oportunidade de fazer este documentário sobre Tony Carreira?
Jorge Pelicano: No final de 2017, a produtora Até ao fim do Mundo  - onde trabalho como realizador – fez o convite ao Tony. Ele estava a comemorar os 30 anos de carreira e esse seria o mote. Por coincidência, o Tony anunciou uma pausa na carreira e isso acabou ser explorado na narrativa do filme. Como é que o músico de maior sucesso em Portugal vai lidar com a ausência dos palcos? 

Tendo em conta que o cantor gosta de manter a sua privacidade, como foi o processo de construir uma relação de confiança para entrar na sua intimidade?
Jorge Pelicano: Não o conhecia pessoalmente e ele também não conhecia o meu trabalho. Fiquei surpreendido com a sua simplicidade no primeiro encontro.  Não é a vedeta que estava à espera e isso ajudou no “ganhar confiança”. Somos naturais do mesmo distrito, ambos somos um “bom garfo” e isso ajudou na fase inicial. Quando o comecei a filmar ele questionava-me“Jorge, o que queres que faça?”, ao qual respondia “Quero que sejas tu”. Na segunda semana de rodagem a câmara tornou-se invisível e comecei a sentir o homem por detrás do artista.

Tony é, sem dúvida, o teu filme mais comercial. Como lidas com isso?
Jorge Pelicano: O cinema, teatro, pintura, música, as artes em geral, sempre existiram e representaram vários tipos de públicos. Infelizmente, a diversidade e pluralidade artística ao fim de tantos anos continua a ser questionada. Neste filme, uma linguagem mais acessível enquadra-se mais com o público do universo do Tony e isso é assumido. Não quero com isto dizer que o público-alvo ergue fronteiras apenas neste universo, pelo contrário, queremos trazer o público que não é fã do Tony e que têm preconceitos com o artista e a sua música. Numa altura em que o cinema vai perdendo espectadores para outros meios e plataformas, penso que um filme “mais comercial” pode trazer novos públicos às salas. 

Quais foram os principais desafios neste documentário?
Jorge Pelicano: Sabia que a maioria das pessoas conhecem a história do Tony. Nos últimos anos, a sua vida privada e profissional foi bastante mediatizada nas televisões e revistas. Sendo assim, a década dos grandes sucessos e auge da carreira é aquela que é menos abordada no filme. Interessou mais explorar o modo como ele conseguiu chegar ao topo e dificuldades e obstáculos que teve que ultrapassar. A primeira década da sua carreira é talvez aquela em que conseguimos trazer mais novidades, também ao nível das imagens de arquivo – grande parte delas inéditas.


Muitos acham que este é apenas um filme de promoção do artista. Como defenderias o teu filme? 
Jorge Pelicano: Quando iniciei a rodagem deste documentário, partilhei com amigos sobre o que estava a fazer e a pergunta era: “Mas esse filme é para limpar a imagem do artista? É para promoção do Tony?”. Somos assim, não há volta a dar, uma sociedade com ideias feitas, adquiridas através de generalidades e banalidades. Se existe pessoa que não precisa de promoção é o Tony Carreira. Temporariamente ou definitivamente, ele está fora do meio artístico. O documentário é o retrato do homem que é, com os seus defeitos e virtudes, as alegrias e tristezas, os sucessos e insucessos. Existe um momento do filme onde o Ricardo Landúm, compositor da maior parte dos sucessos do Tony diz: “O Tony é uma 'nódoa' em palco!”

Mudaste em alguma coisa a imagem que tinhas do cantor antes de o conhecer e de filmar Tony?
Jorge Pelicano: Por norma, não alicerço ideias feitas na minha cabeça antes de conhecer uma determinada pessoa. O Tony surpreendeu-me pela sua humanidade e simplicidade. Profissionalmente, fiquei espantado com a estrutura musical que construiu. A preocupação em ter os melhores equipamentos, técnicos e músicos. Essa é talvez uma das principais razões do seu sucesso.  

Quais os momentos que mais gosto te deram filmar?
Jorge Pelicano: Gostei de filmar o universo dos fãs, pessoas simples e trabalhadoras, muitas delas com vidas difíceis. As músicas do Tony preenchem um certo vazio que existe nestas vidas. Muitos identificam-se com as letras, dizem que já passaram por isso. Há sempre alguém com desgosto de amor, alguém que alimenta um sonho, a perda de alguém. É um retrato de Portugal, fora dos centros urbanos.


Tony chegou esta Quinta-feira aos cinemas portugueses. Que esperas da reacção do público? 
Jorge Pelicano: Muitas pessoas dizem que o sucesso está garantido tendo em conta a popularidade do Tony. Não penso dessa maneira. Uma coisa é ir aos concertos, outra é ir ao cinema. Mas acredito que a cumplicidade que existe entre o público e Tony consiga trazer pessoas para dentro da sala. Aquilo que reforço é que este não é apenas um filme do universo do Tony, pelo contrário, é a história de um homem que nos anos 70 emigrou para França e batalhou para conseguir aquilo que é hoje. Tony é também a história de muitos portugueses. 

Que projectos já estás a preparar para os próximos tempos?
Jorge Pelicano: Neste momento tenho um projecto documental a concurso no ICA sobre um aventureiro português que nos anos 70 tentou ligar São Tomé e Príncipe ao Brasil numa rudimentar canoa à vela. Logo no primeiro dia foi apanhado por uma tempestade e passou à condição de naufrago durante 38 penosos dias. Está vivo e ansioso por contar a sua história.

Sem comentários: