Os tempos que correm têm feito emergir movimentos fascistas, ódios e ideias que pensávamos ultrapassadas há muitos anos. Um país que viveu uma revolução como a do 25 de Abril de 1974 deveria, sempre, recorrer-se da sua História recente para evitar erros do passado. A luta de muitos, o sofrimento e pobreza de outros tantos, a alegria espelhada nos olhos de quem viu, finalmente, alcançada a liberdade de pensar e falar, saiu para a rua nos dias após a Revolução dos Cravos, culminando numa manifestação grandiosa no dia 1 de Maio de 1974 - apenas cinco dias após a queda do Estado Novo. O Dia do Trabalhador, há tantos anos reprimido pela ditadura, foi dia de júbilo de milhares (ou milhões, por todo o país) que sentiram na pele a Liberdade de expressão.
As Armas e o Povo é o registo destes dias, assinado pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica (entre os nomes que colaboraram no filme encontramos Acácio de Almeida, José de Sá Caetano, José Fonseca e Costa, Eduardo Geada, António Escudeiro, Mário Cabrita Gil, Fernando Lopes, António de Macedo, João Moedas Miguel, Glauber Rocha, Elso Roque, Henrique Espírito Santo, Artur Semedo, Fernando Matos Silva, João Matos Silva, Manuel Costa e Silva, Luís Galvão Teles, António da Cunha Telles e Monique Rutler). Eles filmaram a História a acontecer na película das suas câmaras; recuperaram imagens dos dias entre 25 de Abril e 1 de Maio (filmadas em película de 8mm a 35mm) e criaram um documentário que é um pedaço da História de Portugal. Um filme que deveria estar em cada casa, ser exibido nas escolas, universidades e televisão, com regularidade. Em breve, tudo isto poderá ser mais fácil com a edição em DVD de As Armas e o Povo. É fundamental preservar a memória e, felizmente, a Cinemateca tem feito - e bem - este trabalho.
As Armas e o Povo mostra-nos as grandes movimentações de massas, os discursos de Mário Soares e Álvaro Cunhal, a libertação dos presos políticos e as entrevistas de rua do cineasta brasileiro Glauber Rocha, no dia 1 de Maio de 1974. A emoção é dominante, as boas vibrações e a esperança que se sente nas ruas contagiam e inspiram. Vemos imagens do Rossio, Praça da Figueira, dos bairros de lata da periferia de Lisboa, onde a pobreza era óbvia e abundante, da Avenida Almirante Reis, do Estádio 1.º de Maio, onde centenas escutavam os discursos dos políticos do amanhã; e ainda do Barreiro e do Funchal.
Na sessão de apresentação à imprensa da cópia digital restaurada de As Armas e o Povo - no passado dia 11 de Outubro, na Cinemateca Portuguesa -, estiveram presentes Fernando Matos Silva e Luís Galvão Teles, que partilharam algumas das experiências que viveram durante a rodagem do documentário. Galvão Teles recordou a importância de aprender "como filmar no meio de uma multidão, sem ser absorvido nela" e destacou a localização da equipa, no Estádio 1.º de Maio, de modo a "cobrir os discursos e a reacção" do povo. Matos Silva acrescentou que, na época, os realizadores como que anteviram que o palanque onde discursavam Cunhal e Soares era um pouco como uma visão do futuro político de Portugal. Destaca ainda alguma "agressividade revolucionária" nas entrevistas de Glauber Rocha, mais um símbolo da liberdade de ideias que finalmente tinha chegado.
Eis o cinema a fazer (parte d)a revolução.
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As Armas e o Povo será apresentado na edição comemorativa do 10.º aniversário do Festival Lumière (dedicado ao património cinematográfico mundial), na secção Tesouros e Preciosidades, que decorre de 12 a 20 de Outubro em Lyon, França. O filme terá duas apresentações, a primeira a 14 de Outubro, às 17h00, no Cinéma Opéra, e a segunda, no dia 15 de Outubro, às 21h30, na sala Lumière Fourmi.
A cópia de As Armas e o Povo foi digitalizada pela Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema e será lançada brevemente em DVD. A cópia digital (DCP 2K) apresentada em Lyon estará depois disponível para pedidos de empréstimo em Portugal e no estrangeiro. Este DCP teve origem na digitalização 4K do negativo em 35 mm, conservado pela Cinemateca. A correcção de cor foi feita usando uma cópia de época como referência. Já o som foi digitalizado a partir da banda óptica de uma cópia de época conservada pela Cinemateca Portuguesa.
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