*7/10*
José Oliveira e Marta Ramos apresentaram Guerra no Doclisboa'20, um filme que toca num dos temas ainda tabu na sociedade portuguesa. No cinema, nos últimos anos, começam a ver-se algumas abordagens relacionadas com os traumas que a Guerra Colonial deixou, tanto do lado dos ex-combatentes, como dos povos das ex-colónias. Este filme mostra-nos um protagonista em constante desassossego, atormentado pelos fantasmas do passado.
"A partir da rememoração de um professor de língua portuguesa na actualidade, vamos seguir Manuel, o seu pai, ex-combatente da guerra colonial, constantemente atormentado por essas lembranças. Iremos com ele até ao fundo dos lugares físicos que o obcecam – dos quartéis da formação até aos lagos e jardins da sua juventude e enamoramento – bem como ao abismo da sua memória – a guerra e a paixão juntas, indestrinçáveis, numa batalha que pergunta ou grita as imemoriais dúvidas existenciais."
Guerra é a história de Manuel, mas poderia ser a de qualquer um dos seus camaradas com quem se reúne, ou de tantos ex-combatentes "reais" que sofrem com o que viram e fizeram ao longo dos anos que passaram na guerra colonial. O filme começa por mostrar-nos um álbum de fotografias dos tempos da guerra colonial, com a descrição das mesmas narrada por uma criança, a partir de um diário de 1965/1966.
José Oliveira e Marta Ramos tiveram a coragem de fazer um filme realista (com o seu quê de documental), que mostra o dia-a-dia de um homem traumatizado, em constante sofrimento interior. Junto dos amigos mostra-se mais descontraído, provavelmente porque todos experienciaram os mesmos horrores em África. Junto da mulher e do filho, Manuel oscila entre as recordações de uma juventude feliz - mas parcialmente roubada pelas marcas que a guerra deixou - , e alguma perda de lucidez nas conversas ou nas noites de pesadelos insuportáveis.
Corpo e mente vagueiam por Lisboa e pela Margem Sul, entre idas à psicóloga, encontros imediatos com fantasmas por enterrar ou delírios de regresso ao campo de batalha. José Lopes confere ao protagonista a dignidade e credibilidade que merece, com uma interpretação brilhante - e que marca ainda mais pelas saudades que deixa.
Guerra é sobre a herança deixada pela guerra colonial nos homens que a combateram e nas suas famílias, sobre traumas impossíveis de ultrapassar. Os realizadores trazem para o debate um confronto que tem de acontecer entre Portugal e o seu passado colonial.
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