quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Crítica: Listen (2020)

*7/10*

Listen, de Ana Rocha de Sousa, é um retrato cruel dos serviços sociais britânicos e da dor de uma família que luta por voltar a unir-se. A primeira longa-metragem da realizadora portuguesa revela fortes marcas de um realismo social, muito ao estilo de Eu, Daniel Blake, de Ken Loach, com a mesma frieza e agressividade de emoções, que se confunde quase com o cinema documental.

Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Ruben Garcia) são emigrantes portugueses nos subúrbios de Londres, onde vivem com os três filhos. Os serviços sociais britânicos retiram-lhes, injustamente, os filhos, por suspeitas de maus tratos, após verificarem que a filha surda, de sete anos, tinha nódoas negras no corpo. O processo que se desencadeia parece não ter fim, e tudo se complica com o passar do tempo.

Listen é simples e directo a apresentar-nos a história: o casal português vive com dificuldades, enquanto se desdobra para cuidar dos três filhos, com especial atenção para a filha surda, a necessitar de um novo aparelho auditivo - para o qual não há dinheiro. As instituições sociais olham-nos com desconfiança e algum desprezo. O argumento inspira-se em vários casos reais que têm sido conhecidos ao longo dos anos, em que pais (britânicos ou de imigrantes) têm visto os seus filhos serem-lhes retirados pelas mais variadas razões, muitas delas baseadas apenas em suposições dos serviços, sendo as crianças encaminhadas para adopções irreversíveis. As batalhas têm sido difíceis e, muitas vezes, infrutíferas. 

É daí que nasce Listen, desenhando no ecrã a frieza do sistema e as injustiças já relatadas por várias vítimas da vida real. O desespero é crescente, e o filme de Ana Rocha de Sousa é especialmente bom a transmitir essa tensão à plateia ao longo da primeira metade. Depois, apesar dos pais estarem numa luta contra o tempo, tudo acontece demasiado depressa, e Listen ganharia mais fôlego e mais profundidade emocional com uma duração maior, evitando o desfecho apressado.

No elenco, destaque para o casal protagonista. A contenção de Ruben Garcia e a explosão de desespero de Lúcia Moniz revelam-se em duas grandes interpretações, tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão poderosas.

Com os seis prémios conquistados no Festival de Cinema de Veneza a comprová-lo, Listen é uma estreia auspiciosa para Ana Rocha de Sousa, que revela desde já um estilo bem vincado. Uma realizadora a não perder de vista.