sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

KINO 2021: Berlin Alexanderplatz (2020)

*6.5/10*


Em Berlin Alexanderplatz, Burhan Qurbani leva-nos ao submundo de Berlim, num filme que adapta o romance homónimo de Alfred Döblin à actualidade. O drama que os refugiados enfrentam ao chegar à Europa serve de ambiente para uma história de amor e do confronto interior entre o bem e o mal.

O filme apresenta "um refugiado em situação ilegal que, de modo honesto, tenta mudar a sua sorte em Berlim e um criminoso alemão que pretende ser o seu mecenas, mas tem para ele planos mais ambiciosos e também mais arriscados: uma odisseia na luta pela dignidade e pela sobrevivência."


Qurbani traz para o grande ecrã uma das grandes questões do mundo actual, em que Francis (Welket Bungué) é o refugiado que sobrevive após o seu bote se afundar no Mediterrâneo. Em terra firme, pretende reconstruir a sua vida, ter casa e emprego, poder tornar-se um cidadão legal. Mas a oportunidade de dinheiro fácil e a mão (pouco) amiga que Reinhold (Albrecht Schuch) lhe estende leva-o a aceitar uma vida desregrada, de excessos e crime que o põem em risco.

Berlin Alexanderplatz divide-se em vários capítulos, que correspondem às várias fases da vida de Francis, de adaptações, quedas e sucessivas tentativas de seguir o caminho do bem. E entre sonhos, alucinações, festas delirantes e conselhos por ouvir, Francis deixa-se hipnotizar pela maldade cínica e egoísta de Reinhold, com quem cria uma espécie de relação platónica e doentia. A maior viragem narrativa dá-se com o surgimento de Mieze (Jella Haase) - a narradora da longa-metragem - , mais uma personagem que vive à margem da sociedade, mas traz o amor e a esperança à vida do protagonista, fazendo antever, finalmente, um futuro.


Burhan Qurbani cria um visual repleto tons de néon, maioritariamente nocturno, num ambiente decadente, sujo, de luxúria e delírio, lembrando a estética de Nicolas Winding Refn. Nesta dimensão, por vezes quase surreal, acompanha-nos a banda sonora de Dascha Dauenhauer, que adensa todas estas sensações.

Mas sem o talento dos três actores principais, Berlin Alexanderplatz não seria o mesmo filme. Welket Bungué confirma o talento que tem vindo a demonstrar, com presença e carisma, na pele deste anti-herói que transpira emoções. Francis vem revelar ao Mundo como o actor luso-guineense tem tudo para firmar uma grande carreira internacional. Ao seu lado, Albrecht Schuch cria um sociopata quebrado pela inveja, incapaz de suportar a felicidade alheia. Os seus gestos, postura ou expressão facial deixam-nos desconfortáveis e incapazes de prever a perversidade dos seus actos. Já a angelical Jella Haase vem compor o trio "amoroso". De figura frágil mas atitude firme e decidida, a jovem actriz cria Mieze quase como um anjo perdido que vem para salvar Francis.


Se, por um lado, as personagens parecem algo ingénuas nas opções que tomam, é verdade que são também o reflexo de que, por vezes, é preciso cair repetidamente até encontrar a força necessária para voltar a ficar de pé. Berlin Alexanderplatz é o retrato de uma luta incessante por fazer as escolhas certas, num lugar desencantado em que tantos migrantes procuram sonhar.

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