As crianças desaparecidas e suas famílias são o foco de Sombra, o mais recente filme de Bruno Gascon, que estreou nos cinemas portugueses no passado dia 14 de Outubro. O realizador respondeu a algumas perguntas do Hoje Vi(vi) um Filme e revelou mais sobre o processo de produção do filme e a visibilidade que Sombra dá aos casos que o inspiraram.
Depois do tráfico humano, agora abordas a temática das crianças desaparecidas. Este realismo social é o que mais te dá gosto filmar, é o que te define enquanto realizador?
Bruno Gascon: Na verdade, sim. Gosto de sentir que posso colocar o que sei fazer ao serviço da sociedade levando as pessoas a pensarem sobre temas que por norma preferem relegar para segundo plano ou simplesmente ignorar. Não sei se é o que me define enquanto realizador, mas é sem dúvida algo que me satisfaz não só enquanto realizador, mas enquanto pessoa.
Entre o trabalho de pesquisa e a recolha de testemunhos, como foi toda a preparação do filme? Quais os momentos que mais te marcaram durante a pré-produção e rodagem de Sombra?
Bruno Gascon: A ideia já tinha surgido na preparação da Carga pelo que já tinha muita informação recolhida, ainda assim considero que o verdadeiro arranque começou com o contacto com a Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas e com os encontros com as mães e famílias. Não foi algo feito de ânimo leve, estabeleci mesmo uma relação com estas pessoas e tivemos muitos encontros não só durante a escrita, como na pré-produção, rodagem e mesmo após a rodagem terminar. Foram eles os primeiros a verem o filme, por exemplo. O mais marcante em todo este processo foi sem dúvida ouvir cada história pela primeira vez e perceber tudo aquilo pelo qual aquelas pessoas passaram e de alguma forma sentir a responsabilidade de lhes fazer justiça.
A mãe de Rui Pedro, Filomena, foi fundamental para o filme. Em que medida quiseste que a personagem de Ana Moreira se aproximasse dela?
Bruno Gascon: A Filomena é a inspiração maior para a Isabel, embora a Isabel não seja a Filomena. São mulheres diferentes (até porque a Isabel tem também inspiração em outras mulheres), mas que partilham traços comuns: a coragem e o amor pelos filhos. Quando comecei a preparar a personagem com a Ana tentámos que a personagem não fosse colada à personalidade da Filomena (quem a conhece consegue ver as diferenças). Sobretudo não a queríamos representar como uma vítima, mas sim como uma mulher forte, corajosa e capaz de superar os seus próprios limites para encontrar o filho. Num mundo de sombras queria que ela fosse a esperança. A Ana incorporou isso magnificamente.
No elenco, como se deu a escolha da protagonista?
Bruno Gascon: Já conhecia o trabalho da Ana Moreira e senti que ela seria a pessoa ideal, mal a abordei. Procurava uma actriz que tivesse uma fragilidade e força simultâneas e que conseguisse transmitir a luz da Isabel através do seu olhar. A Ana tem isso. Não consigo imaginar este filme com outra actriz como protagonista. A Ana fez um trabalho incrível, foi um prazer desenvolvermos esta personagem juntos.
Qual a principal simbologia que quiseste colocar na cor amarela, tão presente na roupa de Isabel?
Bruno Gascon: O amarelo simboliza a esperança, o nunca desistir. A Isabel é a única personagem que caminha entre a luz e a sombra. A cor que ela veste é uma negação do luto e uma demonstração externa do seu estado de espírito. Ao longo do filme o amarelo vai alterando: quando está mais forte é quando ela sente mais esperança, ou quando acredita que está perto de algo que a leve ao filho, quando desvanece simboliza o desespero e as quebras motivadas precisamente pela desilusão que tem pela ausência de respostas.
Sombra surge como que para impedir que todos estes desaparecimentos e tantos outros caiam no esquecimento. Achas que pode ser uma forma de voltar a olhar para todos estes casos de outra forma ou mesmo surgirem novas pistas ou investigações (jornalísticas, por exemplo)?
Bruno Gascon: Sem dúvida. Obviamente a Sombra é um filme, uma obra de ficção e é assim que deve ser vista, mas acredito que a arte e a cultura têm um papel essencial na sensibilização ou na passagem de mensagens relevantes. O facto de estrearmos o filme levou a que os media colocassem na ordem do dia este tema e de repente além de se falar do filme há toda uma transmissão de informação sobre o que se deve fazer quando uma criança desaparece, por exemplo. É dada voz a associações como a Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD) e a outras entidades. Isso é muito positivo e gratificante. Mesmo ao nível da Polícia Judiciária, temos informações por parte da APCD de que o filme os sensibilizou muito, se isso vai fazer a diferença? Não sei. Mas não vou mentir, gostava muito que fizesse.
Que outros projectos estás a preparar?
Bruno Gascon: Filmei entre Março e Maio deste ano o meu terceiro filme. É muito diferente de tudo o que fiz até agora. Estou agora a acompanhar a pós-produção e estou a meio da investigação para um novo projecto sobre o qual ainda não posso revelar muito.
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