sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Crítica: O Som que Desce na Terra (2021)

*6/10*


Gabriela Barros dá corpo e voz às mulheres que ficaram, que sofreram a ausência a que a guerra colonial obrigou. Sérgio Graciano faz-lhes uma justa homenagem em O Som que Desce na Terra.

"Maria da Luz espera noticias do marido, soldado no Ultramar, que após ser destacado para liderar uma operação, é dado como desaparecido. Neste período, onde a ausência de notícias traz sofrimento e solidão, toma consciência que estes sentimentos são partilhados por outros que, como ela, esperam pelos seus e toma uma decisão: gravar mensagens de apoio das mães, mulheres e familiares para os soldados e entregá-las pessoalmente a cada um no meio de uma Angola em plena guerra."

A longa-metragem inspira-se na história verídica de Maria Estefânia Anacoreta que, em 1966, saiu de Santarém e, durante sete meses, percorreu quase 20 mil quilómetros, por Angola, com um gravador de som. No filme, a protagonista é Maria da Luz que parte para África com o mesmo objectivo, e movida pelo desejo de reencontrar o marido desaparecido.


Maria da Luz e as situações pelas quais passa, quer enquanto está em Portugal, como quando aterra em Angola, representam bem aquele que era tido como o papel das mulheres na sociedade conservadora da época. Já junto dos soldados, o filme capta os traumas, a insensibilidade e a revolta que a guerra lhes incutiu e as saudades de casa. 

O Som que Desce na Terra começa com pouco fôlego, num reflexo da vida solitária da protagonista junto dos filhos, e em conflito com os pais. O lado mais novelesco e televisivo da longa-metragem perdura até Luz aterrar em Angola. A partir daí, ritmo e ambiente tornam-se mais dinâmicos e desafiadores, tal como as circunstâncias obrigavam.

No clima hostil, seja pelo extremo calor ou pelos horrores da guerra, a acção cresce em maturidade, a violência ganha terreno, tudo sob uma perspectiva feminina (nota-se que as argumentistas são duas mulheres, Joana Andrade e Filipa Poppe) - a mulher entre os soldados causa estranheza e desconforto de ambos os lados do ecrã. E mesmo com uma pitada de romance, algumas histórias paralelas e um tanto de melodrama, o filme cresce bem, até ao final.


Nas interpretações, destaque para José Condessa e, no elenco de secundários, João Jesus rouba totalmente a cena em que aparece - ele que espelha o trauma e o desespero de tantos homens. A direcção artística e guarda roupa fazem um excelente trabalho ao retratar a época dos acontecimentos

Sérgio Graciano faz a justa homenagem às mães, esposas e filhas que a guerra privou da presença de filhos, maridos e pais. O Som que Desce na Terra é um breve retrato do lado feminino da guerra colonial.

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