"Three days. That's it."
Diana
*6.5/10*
Spencer chega com travo agridoce: se, por um lado, há uma reimaginação da Princesa Diana, num universo visual extraordinário, por outro, as liberdades criativas são tantas que a protagonista pouco lembra a Princesa do Povo.
Pablo Larraín deixou para trás o estilo que o catapultou com Tony Manero, Post mortem e No, e parece agora obstinado em criar retratos de mulheres do século 20 marcadas pela tragédia. Assim foi com Jackie - e os dias que se seguiram ao assassinato de J. F. Kennedy -, e é agora com Spencer - e os poucos dias de reunião natalícia da Coroa britânica, na qual cada vez menos se integrava.
"O casamento da Princesa Diana e do Príncipe Carlos há muito se transformou numa relação gélida. Entre abundantes rumores de casos extraconjugais e divórcio, a paz é encomendada para celebrar as festividades de Natal na propriedade real de Sandringham House. Há comida e bebida, tiro ao alvo e caça. Diana conhece o jogo. Mas desta vez, as coisas vão ser muito diferentes."
Spencer não é um filme biográfico. É uma reconstrução da figura da princesa. É mera especulação do que aconteceu ao longo daqueles dias, no Natal de 1991, vividos por uma Diana imaginada por realizador e argumentista. E o maior problema da longa-metragem é mesmo a ficção ultrapassar a realidade em demasia, como se a protagonista fosse apenas alguém com meras semelhanças a Diana. Os momentos de interacção com os filhos são os únicos em que realmente reconhecemos a Princesa do Povo, não obstante o desempenho de Kristen Stewart, que captou todos os maneirismos de Diana, para além das óbvia parecenças físicas.
A introspecção inicial, que demarca apenas o egoísmo da personagem e a antipatia que a Coroa teria por ela, sufoca filme e personagens até à libertação, numa explosão de emoções reprimidas, já para lá da metade da longa-metragem. A partir daí há uma nova garra, na personagem e narrativa, que derruba parte dos muros criados até então.
Visualmente, Spencer é deslumbrante. Filmado em 16mm, o grão na imagem, as cores esbatidas, e a direcção de fotografia de Claire Mathon, capaz de planos tão tranquilizadores como atordoantes, levam-nos para essa ideia de "fábula de uma tragédia real" anunciada logo no início do filme.
Pablo Larraín quis filmar o retrato de uma mulher em enorme sofrimento e agonia e cria um lado fantasmagórico - potenciado ainda mais por uma banda sonora genial de Jonny Greenwood -, como que a assombrar a protagonista. Diana perde-se em recordações, sonhos, pesadelos e alucinações, desafios à morte e à família real, provocações e provações. Há desamparo, revolta e claustrofobia, entre cortinas fechadas, arame farpado e muita vontade de fugir.
Sem comentários:
Enviar um comentário