sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Crítica: Restos do Vento (2022)

"Tu não podes falar disto a ninguém, percebeste? Ninguém."
Paulo


*7/10*

As tradições mais ancestrais servem de mote para uma história de poder e exclusão numa povoação perdida no interior norte de Portugal. Depois de A Herdade, Tiago Guedes regressa com Restos do Vento, um filme mais sombrio e angustiante que o seu antecessor, com quem partilha a particularidade da acção se passar também em épocas distintas - separadas por 25 anos.

Uma comunidade fechada em si e no machismo tóxico das suas tradições, vê-se assombrada por traumas passados, que emergem quando uma tragédia acontece. Todos guardam segredos, qual pacto de silêncio. Ao mesmo tempo, o estranho ou desconhecido também não é bem acolhido entre a população - mesmo que seja fruto dela.


Tiago Guedes - que assina igualmente o argumento juntamente com Tiago Rodrigues - pretende imiscuir-se no centro da violência e perceber como pode ela ter origem nas sociedades envolventes. Esta pequena vila sem nome guarda em si o rastilho que faz despertar o que de pior pode existir no ser humano. Rituais ultrapassados, escondidos dentro de baús, estão mais vivos do que se pensa, num local onde parece não existir lei. E, por muita boa vontade que alguns tenham, as novas gerações cultivam os piores vícios e medos, da mesma forma que os seus pais: com humilhação, violência, machismo e abusos.

Com uma premissa forte e um protagonista cheio de potencial, Restos do Vento não vai ao âmago das outras personagens, tornando-as superficiais e insensíveis, até mesmo pouco realistas. O início em crescendo, onde os rituais machistas, em que rapazes vestidos com fatos e capuz de serapilheira perseguem as jovens da aldeia para as açoitar (os caretos de Podence,  bem mais modernos, podem ser facilmente entendidos como inspiração para esta "tradição" ficcional), cativa as atenções da plateia para a brutalidade do Homem. Todavia, 25 anos passados, e após as festividades da terra, algo acontece que vem perturbar a aparente tranquilidade da povoação. É aí que o filme perde intensidade: há uma enorme quebra na acção, com decisões pouco consistentes, um suspense frágil e muita previsibilidade. 


Num elenco de grandes nomes do cinema português - como Nuno Lopes (Samuel), Isabel Abreu (Judite), Gonçalo Waddington (Vítor) ou João Pedro Vaz (Paulo) - é Albano Jerónimo quem se distingue, num papel muito diferente daqueles que o têm notabilizado. Ele é o protagonista, Laureano, um homem frágil e ingénuo, apesar do aspecto que assusta muitos com quem se cruza, e que vive à margem da comunidade, numa velha casa isolada. Solitário, apenas conta com o apoio de Judite, e com a companhia dos muitos cães errantes, os seus mais fiéis companheiros. Albano Jerónimo encarna Laureano de forma intensa, desde logo na transformação física que o levou a ganhar peso, assume o desleixo da personagem, o seu jeito de andar desengonçado, as expressões inocentes ou amedrontadas. Esta é a única personagem que mexe com a plateia e desperta verdadeira compaixão.


E mesmo com a falta de maior complexidade narrativa, Restos do Vento oferece-nos uma experiência desafiante, que mexe com emoções e faz reflectir sobre a (i)legitimidade da violência. Um filme capaz de provocar uma angústia latente dos dois lados do ecrã.

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