terça-feira, 15 de novembro de 2022

Crítica: Crimes do Futuro / Crimes of the Future (2022)

“Surgery is the new sex"
Timlin


*7.5/10*

Crimes of the Future é o regresso de David Cronenberg ao estilo que marcou grande parte da sua filmografia: um cinema visceral, onde dor e prazer se misturam. Longe de ser tão chocante como alguns dos seus títulos mais famosos, o filme demonstra como a criatividade do realizador não se esgota, enquanto recupera temas sobre os quais já tem trabalhado.

"Crimes of the Future mergulha num futuro não tão distante onde a humanidade aprende a adaptar-se a ambientes sintéticos. Esta evolução leva o ser humano para lá do seu estado natural, para uma metamorfose, alterando a sua composição biológica. Enquanto alguns abraçam o potencial ilimitado deste transhumanismo, outros tentam policiar o mesmo. Saul Tenser é um apreciado artista que abraçou esta Síndrome de Evolução Acelerada, germinando órgãos novos e inesperados no seu corpo." Ele e a sua parceira, Caprice, fazem da remoção destes órgãos um espectáculo artístico, perante uma plateia maravilhada. No entanto, são muitos os que os vigiam.


A estranheza está de volta ao cinema de David Cronenberg. Num futuro onde tudo é antigo e está em ruínas, os corpos alteram-se e a dor, o prazer e a arte misturam-se para o êxtase das massas, que sempre deliraram com o grotesco. Eis Crimes of the Future, a sua estética singular e personagens tão ambíguas, mas igualmente fascinantes. E no meio de uma biologia tão doente e corrompida, eis que os adeptos do sintético, e até os cépticos, se imiscuem entre os admiradores da componente artística da doença.

O body horror regressa à filmografia de Cronenberg, onde, agora, o prazer é obtido através da combinação da arte e da dor (ausente na maioria dos humanos). E eis que o realizador volta a explorar os corpos e as mais inesperadas formas de prazer.


Esteticamente tudo é antiquado (ruas, casas, corpos, sensações), e nem a tecnologia tem um aspeto moderno, mas sim mecânico, industrial - e, algumas vezes, até monstruoso. O fabuloso trabalho da direcção artística, com uma criatividade imensa, cria um ambiente tão ambíguo que condiz com o enredo, conferindo-lhe ainda maior estranheza. A direcção de fotografia potencia todo o obscurantismo da história, dos cenários e dos actos das personagens, entre sombras, tons escuros e cores vívidas, tudo filmado e iluminado, tal qual uma pintura clássica. 


E por entre a excentricidade de Crimes of the Future, com todas características que têm marcado a carreira de David Cronenberg, pode encontrar-se uma mensagem ecológica (desde o mundo em ruínas, a abundância do plástico, os tumores cada vez mais complexos, uma genética cada vez menos natural, etc.) entre as linhas do argumento. 

No elenco, Viggo Mortensen surge de figura frágil como Saul, atormentado por um corpo em constante mutação, num desempenho tão contido como violento. Destaque ainda para Kristen Stewart, a atraente e algo bizarra burocrata Timlin; e para o luso-guineense Welket Bungué, um polícia misterioso e descrente na evolução "artística" do corpo.


Em Crimes of the Future, David Cronenberg repete a fórmula e continua a dividir o público, entre o choque do visceral e a forma provocadora como recupera os mesmos temas, dotando-os de actualidade, num misto de violência e beleza visual.

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