quarta-feira, 18 de abril de 2018

Em Português: Cartas da Guerra (2016)

Não só é uma história de amor poética e fogosa, como é um retrato fiel de uma realidade histórica que ainda se tem medo de abordar. É um filme que sinto na pele, de cada vez que o vejo, captando sempre novos pormenores, novas sensações. Cartas da Guerra foi amor à primeira vista, apaixonante e apaixonado. Conquista-me pelas palavras de ternura e pelas imagens duras, a preto e branco.


O filme adapta uma obra do escritor António Lobo Antunes, composta por cartas que este escreveu à mulher durante a sua estadia na guerra do ultramar. A acção começa em 1971, quando António vê o seu quotidiano em Lisboa ser interrompido ao ser destacado para servir como médico no Leste de Angola. Perante a extrema violência e desolação, António escreve à mulher Maria José, contando o que vê, o que sente, como que abrigando-se do pior.

É um filme de guerra mas sensorial e sensível. Não é meigo, não esconde nada. Mas as saudades e a distância que separam um grande amor, em que cada um dos amantes está num continente diferente, a sofrer em silêncio, só o papel pode colmatar. O papel é a partilha que não acontece cara a cara. O papel é o que ateia a chama da paixão.


Uma realidade que tantos foram obrigados a viver, que marcou a vida de famílias inteiras, que está no passado mas corre no sangue da nação e, mesmo que ninguém fale, que ninguém recorde, todos se lembram dela. Uma guerra que Portugal tem vergonha de lembrar, de filmar, de admitir que foi sangrenta e marcante para todos. Por tudo isto, Ivo M. Ferreira é um homem de coragem ao filmar este tema, e fá-lo muito bem.

O sofrimento espelha-se nos olhares, mais do que nas imagens violentas, e o amor é personificado nas vozes e nos rostos jovens de Margarida Vila-Nova e Miguel Nunes.

Cartas da Guerra é um poema de amor em termos de guerra.


Na altura da estreia no IndieLisboa'16 escrevi esta crítica.

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