sexta-feira, 10 de maio de 2019

Crítica: Hotel Império (2018)

*8/10*


Ivo M. Ferreira guia-nos numa viagem de sensações e nostalgia a Macau, 20 anos após ter regressado à soberania chinesa. Hotel Império apela à memória e aos sentidos e filma uma realidade tão distante mas com tanto em comum com o passado português.

Falado em quatro línguas diferentes, onde o cantonês é o idioma mais presente (os outros são o português, inglês e mandarim), eis um projecto ambicioso. A decadência das personagens condiz com a dos bairros macaenses, e é o encanto presente nesta desilusão que se afigura singular e comovente.


A casa de Maria (Margarida Vila-Nova) sempre foi o Hotel Império, nos bairros tradicionais de Macau, onde há roupa pendurada entre os neons, e um emaranhado de fios eléctricos invade ruas cheias de vapores. Com o pai envelhecido e viciado no jogo, o fardo de manter o decrépito hotel em funcionamento recai-lhe sobre os ombros. Canta fado num casino onde o jogo e a prostituição andam de mãos dadas, mas o dinheiro é pouco e os especuladores imobiliários tornam-se insistentes. Surge então Chu (Rhydian Vaughan), jovem misterioso com um interesse obsessivo por Maria.

O realizador Ivo M. Ferreira tem uma sensibilidade estética pouco comum no cinema português. Tudo é inebriante em Hotel Império. Exteriores e interiores distinguem-se pelas cores, o brilho e os muitos paradoxos causados pela alegria dos neons junto aos edifícios antigos em tons escuros. Nas ruas, as sensações são mais que muitas, desde o homem que passeia com a gaiola do seu pássaro - parece saído de outra dimensão - à azáfama do dia-a-dia. As personagens e os bairros são filmados com um encanto que os eleva a algo inatingível, intocável: uma cidade em degradação, a par das personagens, coreografadas na ruína.


Os sonhos de Maria vão ficando pelo caminho, enquanto o dinheiro escasseia e tantos dependem dela. Chu chega para quebrar a monotonia da rotina da protagonista, carregando um segredo consigo. E, entre os dois, a ganância de Edgar - num bom desempenho de Tiago Aldeia - é o motor de arranque para o desmoronamento do hotel e da sua gente. A história de Maria e de Chu poderá não ser o ponto mais forte da longa-metragem, mas também ela é intensa, principalmente pelo magnetismo e sensualidade das personagens num excelente trabalho dos actores - destaque, sem dúvida, para Margarida Vila-Nova e Rhydian Vaughan.

Hotel Império faz-nos ainda questionar valores e apela à memória, com grande ênfase na destruição do passado (neste caso, o de Portugal em Macau), que acontece em Macau mas igualmente em outros locais do mundo, desde há muitos anos. Eis aqui a intemporalidade da narrativa. Mas há hábitos que continuam iguais. Como o dedilhar a parede enquanto subimos as escadas. O toque que faz regressar à infância, quase esquecida, dos protagonistas. Agora, no presente, tudo é cruel e difícil. A memória física vai desaparecendo, mas enquanto existirmos ela perdurará.


Há uma magia e encanto naturais do que nos é distante e quase desconhecido mesmo que alguma vez já tenha feito parte de nós. Assim é Macau. Assim nos chega em Hotel Império.

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