quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Crítica: Amadeo (2023)

"Foge comigo. Tenho medo de ficar aqui para sempre e enlouquecer."

Amadeo

*7.5/10*

Depois de Florbela e Al Berto, Amadeo encerra a trilogia de filmes sobre artistas - dois poetas e um pintor - de Vicente Alves do Ó

Amadeo é um filme melancólico, marcado por duas pandemias - com cem anos de distância - e, inevitavelmente, toda a experiência de visualização é distinta daquela que seria caso não tivessem passados três anos pandémicos. Desde a conclusão das filmagens, no final de 2019, até à estreia, em 2023, alguns elementos da equipa do filme perderam a vida, sendo o mesmo dedicado a Eunice Muñoz Rogério Samora - que interpretaram a avó e o pai de Amadeo

Amadeo de Souza-Cardoso, nascido em Manhufe, Amarante, fixa-se em Paris onde integra um círculo de artistas modernistas, onde se contam ModiglianiPicasso, Apollinaire, Brancusi, Derain, Emmerico Nunes e Max Jacob. Com o início da Primeira Guerra Mundial, regressa a Portugal, à casa da família, juntamente com a sua mulher Lucie. Em 1918, com a chegada da pneumónica a Portugal, vai para Espinho com as irmãs e Lucie, até adoecer e falecer a 25 de Outubro de 1918, aos 30 anos.

São estes os momentos-chave do filme de Vicente Alves do Ó, que se divide em três partes: a estadia em casa dos pais durante a Primeira Guerra Mundial e a primeira exposição que organiza, em 1916, no Passos Manoel, no Porto; 1911 e a temporada passada em Paris, onde assistimos a uma vernissage em sua casa, onde marcam presença os maiores artistas da época como Modigliani e Picasso (e onde estão alguns dos melhores momentos da longa-metragem); e, por fim, 1918, e a chegada da doença. 

Amadeo carrega uma aura trágica tal qual o destino do seu protagonista: um homem com tamanha urgência em viver e com um talento grande demais para o país que o viu nascer. O jovem artista queria pintar o futuro que não chegou a viver, e que a guerra e uma pandemia fizeram adiar.

Rafael Morais incorpora o pintor de corpo e alma, e confere-lhe o ar sombrio de quem desespera por voltar a Paris e sair da "prisão" em que a guerra o colocou. Ele quer ser livre e compreendido e sabe que, em Portugal, isso não vai acontecer. Esta inquietação está latente no actor, bem como a sua extrema dedicação a Lucie e às irmãs.

Há que destacar também a fabulosa direcção de fotografia de Rui Poças, proporcionando planos que são autênticos quadros, a par dos que Amadeo pintou, numa fusão de artes.

Um dos mais talentosos e vanguardistas artistas portugueses do século XX tem finalmente um filme que o traz para a ribalta. Amadeo dá corpo e movimento ao pintor que é ainda tão desconhecido. O mistério em redor de um homem prometedor que morreu tão cedo torna-o, mais ainda, objecto de atento interesse. 

Os filmes de Vicente são de uma sensibilidade pouco comum no cinema português e Amadeo não foge à regra: é poético, livre e urgente como o seu protagonista.

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