segunda-feira, 24 de abril de 2023

Crítica: Nação Valente / Tommy Guns (2022)

"A pátria está orgulhosa de si, meu cabo"


*9/10*

Nação Valente, a segunda longa-metragem de Carlos Conceição, reaviva os fantasmas da guerra colonial em Angola, com o toque provocador e contemporâneo que caracteriza o realizador. As pistas vão sendo deixadas ao longo do filme, cuja narrativa esconde segredos acima e debaixo da terra. Os mortos estão prontos para lembrar os vivos das atrocidades que já esqueceram.

"A história começa em 1974, apenas um ano antes da independência do país, após séculos de domínio português. Portugueses e seus descendentes estão a fugir do país enquanto os revolucionários angolanos reclamam gradualmente a sua terra de volta. Uma rapariga mumuíla descobre o amor e o perigo quando o seu caminho se cruza com o de um militar português. Por outro lado, um grupo de soldados, completamente isolados do mundo exterior, cumpre cegamente as ordens brutais do seu comandante, em nome do serviço à Pátria."


Com a guerra colonial perto do fim, Nação Valente apresenta o clima de medo que se sentia entre os portugueses que ainda permaneciam em Angola - Leonor Silveira é a freira portuguesa que apoia as tribos locais -, mas igualmente dos nativos que receiam as tropas portuguesas ainda no terreno. Noutro local, mais isolado, jovens soldados portugueses treinam incessantemente preparando-se para lutar contra um inimigo, aparentemente, invisível. E, neste filme, não há descanso, nem para as vítimas nem para os agressores, todos em constante alerta, de arma em punho, olhar atento a cada movimento ou sombra.

Carlos Conceição lança dúvidas e provocações à plateia ao longo de todo o filme, dos momentos sensuais que se tornam instantaneamente violentos, às fotos a preto e branco e recortes de jornal bem guardados, um cordão de Nossa Senhora que passa de mão em mão - unindo personagens que nunca se conheceram, bem como as duas metades da longa-metragem -, uma musa Brigitte Bardot salva das águas pelos jovens soldados, um muro infindável que os intriga, memórias que escasseiam, visões fantasmagóricas e a chegada de uma prostituta que lhes traz a revelação e a salvação.


Entre o realista e o sobrenatural, de dia ou de noite, o fabuloso trabalho da direcção de fotografia de Vasco Viana, capta a magia incómoda que as analogias, os traumas e os fantasmas carregam.
 
Apesar de todo o lado fantasioso e irónico de Nação Valente, há uma clara mensagem para reavivar memórias nunca totalmente assimiladas pelo povo português, espelhadas agora no crescimento dos movimentos extremistas, racistas e saudosistas. Conceição criou uma longa-metragem simbólica e incompassiva, que não quer esquecer, para alertar e acordar os mortos, exorcizar os descrentes ou esquecidos. Traz a Memória colectiva ao cinema de uma forma diferente do que já se fez e com a coragem e personalidade necessária.


De forma inesperada, Nação Valente confronta o Presente com o Passado do qual tem fugido e que lhe é desconfortável lembrar, e fá-lo de uma forma visualmente perturbadora e com uma criatividade que lhe é muito particular.

Sem comentários: