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domingo, 8 de novembro de 2020

Sugestão da Semana #442

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana destaca o filme português Donzela Guerreira, de Marta Pessoa. Podes ler a crítica do Hoje Vi(vi) um Filme aqui, bem como a entrevista à realizadora aqui.

DONZELA GUERREIRA


Ficha Técnica:
Título Original: Donzela Guerreira
Realizadora: Marta Pessoa
Elenco: Anabela Brígida, Dina Félix da Costa, Joana Bárcia
Género: Drama
Classificação: M/12
Duração: 74 minutos

sábado, 7 de novembro de 2020

Entrevista: Marta Pessoa, realizadora de Donzela Guerreira

Donzela Guerreira, de Marta Pessoa, estreou no dia 5 de Novembro nas salas de cinema portuguesas. Através da protagonista Emília, jornalista e escritora, o filme guia-nos por uma Lisboa dos anos 50 e por histórias de mulheres desse tempo. A propósito da estreia, quisemos saber mais sobre esta longa-metragem e a realizadora Marta Pessoa satisfez a nossa curiosidade.

Marta Pessoa

Como surgiu a ideia para este filme?

Marta Pessoa: O filme teve origem na história da Donzela Que Vai à Guerra, que está incluída no Romanceiro de Almeida Garrett. Neste poema de origem popular a “donzela” assume o lugar do pai no campo de batalha. Vestida de soldado, vai à luta. É uma história de alguém que se quer superar, quebrar barreiras. Esta história levou-me a pensar que, ao contrário do que se passava na história de Garrett, às mulheres que viveram no período do Estado Novo, não lhes era permitido grande individualidade. Eram invisíveis, sem voz, sem acção. Assim são as personagens dos livros de Maria Judite de Carvalho e de Irene Lisboa. Estas duas escritoras foram as grandes fontes de inspiração para o filme. A sua escrita, muito próxima da “crónica do quotidiano”, transforma as mulheres de vidas apagadas, de gestos menores, condenadas a uma domesticidade inevitável, em protagonistas. Juntando a história da “Donzela” ao universo destas mulheres sem voz, surgiu a ideia para este filme. Um filme sobre uma mulher que escreve, que não se casa, que é, em plena ditadura, uma transgressora. Mas ao contrário da mulher do Romanceiro, esta é uma mulher que ocupa o espaço dos homens sem se travestir. Alguém cuja ousadia está em não deixar de ser quem é. E assim nasceu a protagonista, a Emília Monforte, uma escritora, na Lisboa dos anos 1950.


Qual é para si a importância do Arquivo para a memória de uma cidade (ou de uma pessoa) e para o cinema?

Marta Pessoa: A transmissão da memória colectiva passa necessariamente por alguma espécie de arquivo. Por mais pequenos que sejam e por mais maltratados que possam ter sido, os arquivos são esforços de preservação daquilo que consideramos importante. Mesmo os nossos arquivos pessoais, aquilo que vamos guardando, vêm da nossa vontade de acarinhar um tempo, uma pessoa, um sítio. São colecções de fragmentos a que, muito tempo depois de nós, alguém poderá tentar encontrar um sentido.  Uma cidade só pode existir se tiver uma memória, porque é qualquer coisa - uma ideia - vivida em conjunto. A memória das cidades é o que alimenta a nossa ligação com elas, mas é também uma forma de as vivermos. No filme, é o arquivo de carácter fotográfico e cinematográfico que é usado para evocar a cidade de Lisboa. Como todo o trabalho que é feito sobre o arquivo, há muito espaço para a aprendizagem, para a descoberta, mas também para a efabulação. As imagens foram encontradas no Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa e no Arquivo da Gulbenkian, as imagens em movimento no Arquivo do ANIM. Estas imagens têm aquele efeito óbvio de nos transportar para um espaço e um tempo, que pode ser simultaneamente familiar e estranho. Já o cinema tem em si mesmo uma dimensão de arquivo, de memória e efabulação do mundo.

Arquivo Fundação Gulbenkian. Rossio (s/data)


Quais as descobertas mais inesperadas que fez nos Arquivos que consultou durante a pesquisa para Donzela Guerreira?

Marta Pessoa: A dada altura, apercebi-me da existência de um conjunto de imagens que remetem para a construção do quotidiano, para uma vivência de domesticidade. Isto acontece mais no arquivo da Gulbenkian. Ambos os arquivos fotográficos estão, em parte, digitalizados e disponíveis para consulta online. Isso é muito importante, essa disponibilidade, porque faz com que a relação com as imagens na fase de pesquisa seja muito mais intensa e constante. No meu caso, disponibilidade para o arquivo ser trabalhado a par da escrita do argumento. Na Gulbenkian, está disponível parte do acervo do Estúdio Novais, e este está dividido em álbuns com nomes como Estabelecimentos Comerciais, Interiores, Edifícios, imóveis e infraestruturas, Mobiliário, Lavores, Comércio, Lisboa e arredores. Isto indica que o Estúdio dividiu a sua actividade entre uma fotografia mais comercial e institucional e encomendas para publicidade. É neste último “grupo” que surgem as lojas de mobiliário, de loiças, de electrodomésticos. Estas fotografias foram as mais surpreendentes e estão muito presentes no filme. Há também, e isto acontece nos dois arquivos, imagens muito belas da cidade. Mas que Lisboa é uma cidade muito bela não é para mim, como lisboeta, uma novidade. 


Como se deu a escolha das três actrizes (Anabela Brígida, Joana Bárcia e Dina Félix da Costa)? O que procurava, em especial, na actriz protagonista?

Marta Pessoa: Já tinha trabalhado com a Dina e com a Anabela. Neste filme, os papéis foram escritos para elas. São, as duas, actrizes muito disponíveis e muito sensíveis. Sabia que seriam capazes de compreender que o filme não teria uma estrutura, nem um processo de filmagem, ditos clássicos e que, sendo um filme de baixo orçamento, as coisas teriam de ser feitas a um ritmo incerto e com uma estrutura muito reduzida. Correu muito bem. No caso da Joana, foi diferente. A Joana é uma actriz excepcional. Nunca tinha trabalhado com ela, mas a Etelvina foi escrita com ela em mente. O convite foi feito e a Joana aceitou.

Ainda em matéria de escolhas, a protagonista do filme é uma voz que se ouve durante todo o filme, e eu acho que a Anabela tem uma voz muito bonita, capaz de dar a cada frase uma entoação muito subtil em todas as emoções e tem uma grande paciência para trabalhar o texto, o que veio a acontecer durante o período de um ano. Para além do texto era preciso que a Emília, quando aparecesse na imagem, tivesse uma presença muito serena, contida, mas forte. A Anabela é uma actriz que consegue tudo isto, e muito mais.

Joana Bárcia como Etelvina


O papel das mulheres está em grande foco no seu filme, especialmente, o das mulheres independentes e solteiras. É uma forma de redescobri-las, já que durante o Estado Novo elas eram quase como um acessório dos maridos e a própria sociedade fazia por esquecer as mais emancipadas?

Marta Pessoa: Foi isso que aconteceu durante o período de ditadura. Não sei se a sociedade esquecia as mais emancipadas, acho que mais do que esquecê-las, as ostracizava e humilhava. O que aconteceu, por exemplo, a mulheres como a Irene Lisboa, foi certamente um processo de esquecimento, mas também de humilhação. Afastaram-na da sua profissão, alguns dos seus livros só foram publicados em edições da própria autora. Outras vezes, as mulheres eram remetidas para “guetos femininos” onde só se podiam dedicar a actividades que o Estado Novo considerava apropriados. O lugar da mulher era definido pelo Estado (logo, pelo homem). Uma humilhação. Era muito habitual este afastamento da vida pública. No caso das mulheres do filme, fala-se ainda de outras – das mulheres sem história - das criadas, das empregadas de balcão (as tais mulheres sem aliança). Espero que de alguma maneira o filme possa levar mais pessoas a ler a obra de Maria Judite de Carvalho e de Irene Lisboa, porque a obra delas resgata estas mulheres do esquecimento. E esse é um gesto importante, o de dar espaço ao que não é dominante.  

A arte (literatura, cinema, pintura) está muito presente em Donzela Guerreira - desde logo na protagonista, escritora e jornalista. O que pretendia transmitir com esta representação?

Marta Pessoa: A literatura é, sem dúvida, a base do filme. A protagonista é uma escritora e é na sua voz que “ouvimos” o filme, a sua escrita. Não são só as suas memórias que ela nos vai contando ao longo do filme, é todo o seu percurso até se descobrir enquanto escritora. Achei que a melhor forma de o fazer seria evocar objectos, imagens, filmes, com que Emília se pudesse ter cruzado. Bilhetes de teatro, bibelots numa vitrine, como se estivesse num museu, filmes que poderia ter visto (como é o caso de Lisboa, Crónica Anedótica, de Leitão de Barros), músicas que ouviria. As Meninas de Velasquez aparece no filme fazendo uma ligação da pintura com o espaço privado através de uma apropriação das personagens nele representadas pela mãe da própria Emília. A mãe ensina Emília a rever-se naquele quadro, aparentemente tão distante da sua realidade. É uma forma de ensinar o processo de criação de uma história. É como se a mãe lhe atribuísse a função ou o desígnio de escritora mesmo antes de morrer. A revelação da arte. Um momento de partilha íntima e de comunhão entre uma filha e uma mãe, entre a realidade e a fábula, entre o efémero e o eterno.

Há uma nostalgia latente em Donzela Guerreira. São saudades de uma cidade aos poucos desaparecida ou das suas mulheres de armas?

Marta Pessoa: Lisboa é uma cidade em constante transformação, em constante desaparecimento. Acho que a cidade do filme é uma Lisboa que ainda hoje conseguimos reconhecer e identificar como nossa, mesmo que os edifícios, as ruas, as praças, já não existam exactamente da mesma forma. Cada prédio que vai abaixo dói, mas se calhar no lugar desses prédios já existiram outros prédios que foram abaixo e que “doeram” aos lisboetas nossos antepassados. E há sempre o rio. Enquanto o Tejo estiver (mais ou menos) no mesmo sítio, teremos sempre Lisboa.

As mulheres de armas continuam a andar por aí, porque continuam a ter que lutar por muitos direitos. São, felizmente, mais visíveis, com mais voz, mais liberdade, que as mulheres dos anos 1950. Mal de nós se assim não fosse.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Crítica: Donzela Guerreira (2019)

*7/10*

Donzela Guerreira, de Marta Pessoa, leva-nos numa viagem no tempo, por arquivos da cidade de Lisboa, guiados por uma mulher cheia de histórias para contar.

O filme "ficciona o Portugal de meados do século XX. A partir da figura de Emília, uma escritora, em Lisboa, no ano de 1959, o filme convoca vultos, lugares, situações, receios e ironias numa aproximação aos universos literários de Maria Judite de Carvalho e Irene Lisboa, escritoras da cidade e das personagens que nela habitam. Guiados pela voz e olhar de Emília, entramos num jogo entre as imagens de arquivo da cidade e a efabulação pura. É uma Lisboa de ruas, jardins e casas onde habitam mulheres que olham para si próprias e umas para as outras, que ocupam os lugares que lhes destinam e o silêncio a que as votam."

Entre a ficção e as imagens reais, a longa-metragem de Marta Pessoa envolve a plateia em redor de uma protagonista forte e batalhadora, segura de si. Emilia é uma mulher solteira, que muito preza a sua independência e liberdade, emancipada, é uma feminista do seu tempo, mesmo sem o saber. Uma mulher de ideias férteis, exímia contadora de histórias. A actriz Anabela Brígida é a imagem sóbria e recatada e a voz decidida e melodiosa de Emília - a nossa guerreira.

As imagens de arquivo (muitas delas de arquivos familiares) têm uma importância fulcral para redescobrir a cidade que Lisboa já foi. Entre jardins, estátuas, obras públicas, ou locais tão conhecidos como o Terreiro do Paço, encontramos referências - muitos bilhetes de espectáculos - aos já desaparecidos Teatro Apolo ou Cinema Lys.


Marta Pessoa transporta-nos para outra época, deixando-nos levar pela perfeita sincronia entre imagens e palavras, referências literárias e artísticas. De elogiar ainda a direcção de fotografia - com espelhos e sombras a assumir um papel importante - e a direcção artística com uma recriação cuidada e pormenores fascinantes.

Donzela Guerreira é um elogio a Lisboa e às mulheres independentes que nela habitaram (e habitam), reais ou ficcionais. E ainda uma homenagem às escritoras Maria Judite de Carvalho e Irene Lisboa pelas histórias e personagens que deixaram à literatura.

sábado, 5 de maio de 2018

IndieLisboa'18: As Horas de Luz / The Hours Of Light (2018)

*6/10*


No IndieLisboa'15, António Borges Correia conquistou vários prémios incluindo o de Melhor Longa-metragem Portuguesa com o seu filme Os Olhos de André. Três anos depois, o realizador regressa ao festival para apresentar a sua mais recente longa-metragem As Horas de Luz.

O filme retrata os problemas do envelhecimento e da doença. Maria da Luz (Paula Só) espera por uma operação às cataratas, que quase lhe tiraram a visão. Mas a sua dependência despertará nos vizinhos, e na filha distante, uma oportunidade de reatar laços perdidos. 

Não supera o filme anterior, mas mantém a mesma ambiência, um realismo comovente e personagens muito credíveis. Inspirado por uma inacreditável história real que aconteceu há cerca de 10 anos, onde a compaixão é o principal motor - e tanto se referiu esta palavra ao longo da sessão -, desta vez, a encabeçar o elenco estão actores profissionais (Paula Só, José Eduardo e Anabela Brígida), mas os amadores também lá continuam. O Presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, Luís Gomes, por exemplo, é uma personagem central na acção e interpreta-se a si mesmo (já não estando actualmente no cargo).


Por muito que o realizador não fuja a alguns clichés, explorando até à exaustão a falta de visão dos habitantes daquela cidade, As Horas de Luz surpreende-nos com pormenores tão simples quanto simbólicos. O pequeno Miguel e os seus grandes olhos verdes (desta vez não são Os Olhos de André) e ar angelical, é um mistério para todos, mas principalmente para a plateia. Ninguém sabe onde vive, quem são os seus pais, diz não ter amigos e anda sempre sozinho, apenas preocupado com os idosos que o rodeiam e de quem é, literalmente, um anjo da guarda. E esta ideia do anjo repete-se, sendo uma das singularidades do filme.

A cidade de Vila Real de Santo António é filmada com uma beleza que nos convida a visitá-la, desde a praia, às casas tradicionais, até às ruínas de uma antiga fábrica. António Borges Correia tira todo o potencial da sua luz, das suas paisagens, dando, mais uma vez, um enfoque muito especial à Natureza e seus elementos.

O realizador António Borges Correia apresentou As Horas de Luz no IndieLisboa