sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Crítica: Mulherzinhas / Little Women (2019)

"I can't get over my disappointment at being a girl."
Jo March


*8/10*

Clássica e feminina, Greta Gerwig emancipou-se a par das suas Mulherzinhas, numa adaptação cinematográfica especialmente bem concretizada. Enquanto realizadora, cresceu a olhos vistos e começa a ganhar identidade; como argumentista ganhou uma maturidade inspiradora.

Louisa May Alcott era uma mulher à frente no seu tempo e ver, em pleno século XXI, a adaptação cinematográfica de um romance do século XIX, sentindo-o tão actual, com problemáticas feministas que ainda hoje se colocam, de uma forma ou de outra, mostra como Greta incorporou bem as ideias da autora norte-americana e adaptou-as ao ecrã de um modo moderno e singular.

As irmãs Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) vivem a passagem da infância para a vida adulta, enquanto os Estados Unidos atravessam a Guerra Civil. Vivem com dificuldades com a mãe (Laura Dern). Com personalidades completamente diferentes, elas enfrentam os desafios de crescer, unidas pelo amor que nutrem umas pelas outras.


O filme de Gerwig começa quando as irmãs são já adultas, recuando depois sete anos. A partir daí, a acção desenrola-se em duas linhas temporais distintas. As cores quentes contrastam com as frias, numa clara diferenciação temporal, entre os felizes tempos da infância, cheios de sonhos, e a dureza da vida adulta, com desgostos e perdas.

Os papéis importantes estão nesta história destinados às mulheres - ao contrário do que ainda hoje continua a acontecer na sociedade real -, as personagens masculinas dependem de uma maneira ou de outra destas mulheres para viverem ou serem felizes. Esta constatação é irónica, mais ainda quando todas as personagens femininas têm um carácter muito mais forte e complexo que os homens. Alcott fê-lo há quase dois séculos, Gerwig reafirma-o. Estas mulheres são artistas, de ideias claras e informadas, e o seu discurso prova-o.


Jo é a feminista emancipada que sonha ser independente através do seu dom para a escrita e está decidida que não precisa de casar para ser feliz. Tão focada na sua independência e individualidade enquanto mulher, de repente, vê-se rodeada de solidão. O talento para a escrita desvanece-se a par dos laços, esses que a inspiravam e a motivavam a criar histórias, sem esforço. Saoirse Ronan encaixa perfeitamente na personagem, destemida, corajosa e cheia de garra - com o orgulho por vezes a prejudicá-la. Emma Watson é Meg, a mais velha e mais tradicional das quatro irmãs. Apaixonada pelo teatro, ambiciona casar e ter filhos, com alguém que realmente ame, independentemente do dinheiro que possua. Amy é a mais nova, quer ser pintora mas cedo percebe que pintar nunca lhe garantirá o futuro. Uma jovem mimada, apaixonada, por vezes maliciosa, mas especialmente esclarecida. Florence Pugh interpreta-a com a fúria e clarividência que a personagem pede. Beth, num desempenho doce e tranquilo de Eliza Scanlen, é frágil mas apaziguadora, dotada para a música, protectora e protegida das irmãs. Laura Dern - numa interpretação contida mas dotada de emoção - é a mãe protectora e compreensiva, uma mulher sempre pronta a ajudar o próximo. Aparentemente feliz e paciente, guarda em si preocupação e raiva que insiste em não revelar. Meryl Streep é a Tia March, uma mulher rica, mas solitária e desagradável, que faz questão de relembrar as sobrinhas do fado que espera uma mulher sem dinheiro.


As personagens femininas são apaixonantes e inspiradoras. Modernas na sua concepção clássica. As suas personalidades transformam esta versão de Mulherzinhas num trabalho singular. Os planos sequência, os diálogos aguerridos, o guarda-roupa pensado ao pormenor e a banda sonora de Alexandre Desplat, tudo se funde para criar este clássico moderno do século XXI.

Curiosamente, Greta Gerwig estava grávida do primeiro filho enquanto filmava Mulherzinhas, num desafio a dobrar que parece ter sido inspirador. A realizadora desabrochou e, depois da adolescência problemática de Lady Bird, mostra uma imensa maturidade e respeito pela obra que adapta, afirmando-se como uma das grandes realizadoras da actualidade.

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