quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Sophia, na Primeira Pessoa (2019)

*5.5/10*

Sophia, na Primeira Pessoa, de Manuel Mozos, estreou na secção Heart Beat do Doclisboa'19, e será exibido na RTP1, no dia 5 de Novembro, pelas 22h30, na véspera da comemoração do centenário da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen.


Um documentário que quis dar voz à autora, falecida em 2004, para que contasse a sua história pelas próprias palavras. Para isso, o realizador e equipa recorreram "ao espólio pessoal da autora, a imagens actuais de locais onde viveu ou que lhe foram queridos e a imagens de arquivo de televisão e cinema; utilizando partes da sua prosa e da sua poesia sempre com testemunhos na primeira pessoa; do Porto a Lisboa, da Granja a Lagos, do mar Atlântico ao Mediterrâneo, da Grécia ao 25 de Abril: as paixões e decepções de uma vida e obra dedicadas à busca pelo real, a liberdade e a justiça."

Vemo-la e ouvimo-la em entrevistas, mas igualmente a declamar a sua poesia. Conhecêmo-la através das suas palavras, mas também pelas fotografias antigas - onde vemos uma mulher moderna e emancipada. A acompanhar, paisagens e locais que lhe disseram muito.


Sophia, na Primeira Pessoa não nos faz descobrir uma nova Sophia, não nos conta muito para além do que já sabemos, mas tenta entrar um pouco mais na intimidade das palavras e imagens da autora, com uma poesia inerente a unir imagens e frases. Peca por ser apenas "na primeira pessoa", mas não deixa de ser um interessante registo e um bom esforço de Manuel Mozos para criar um documentário diferente do que já se fez sobre Sophia de Mello Breyner Andresen.

Estreias da Semana #401

Esta Quinta-feira, dia de Halloween, chegam aos cinemas portugueses sete novos filmes. A Família Addams, Doutor Sono e Vitalina Varela são algumas das estreias.

A Família Addams (2019)
The Addams Family
A família da mansão em ruínas no topo de uma colina tem um novo vizinho - a famosa personalidade televisiva Margaux Needler que se prepara para construir uma comunidade pré-fabricada, repleta de pop tecnicolor e perfeccionismo. Margaux fica desconcertada ao ver a mansão da Família Addams - a única coisa que fica entre seu sonho de vender todas as casas do bairro e ser adorada como uma personalidade de TV para sempre. Enquanto isso, Pugsley atravessa um ritual de passagem para provar que está pronto a tornar-se no homem da Família Addams e Wednesday faz amizade com Parker, a filha de Margaux, dando início a actividades normais, como frequentar a escola pública, pertencer à claque, ou usar fitas cor de-rosa.

A Minha Vida Com John F. Donovan (2019)
The Death & Life of John F. Donovan
Uma década após a morte de uma estrela da TV americana, um jovem actor relembra a correspondência trocada entre ambos, e o impacto que essas cartas tiveram nas suas vidas.

Brasil, 2027. Uma devota religiosa usa a sua posição num cartório para tentar dificultar os divórcios. Enquanto espera por um sinal divino em reconhecimento pelos seus esforços, é confrontada com uma crise no seu casamento que acaba por deixá-la ainda mais perto de Deus.

Doutor Sono (2019)
Doctor Sleep
Baseado no livro homónimo de Stephen King, Doutor Sono dá continuação à história de The Shining. 40 anos depois, Danny Torrance (Ewan McGregor), o rapaz com capacidades telepáticas, seguiu as pegadas do pai e tornou-se um homem amargo com problemas de alcoolismo, ainda traumatizado pelo que viu no Overlook Hotel quando era criança. Um dia, Danny conhece Abra, uma adolescente corajosa que com ele partilha as mesmas capacidades sobrenaturais. Abra está desesperada por ajuda contra a impiedosa Rose the Hat e os seus seguidores, The True Knot, que procuram a imortalidade alimentando-se dos poderes de pessoas como eles.

Exterminador Implacável: Destino Sombrio (2019)
Terminator: Dark Fate
Mais de duas décadas passaram desde que Sarah Connor impediu o Dia do Julgamento, mudou o futuro e reescreveu o destino da raça humana. Dani Ramos (Natalia Reyes) vive uma vida simples na Cidade do México com o irmão (Diego Boneta) e o pai, quando um um Rev-9 (Gabriel Luna) - um novo Exterminador, mais sofisticado e mortal - viaja no tempo para a caçar e matar. A sobrevivência de Dani depende da sua união com Grace (Mackenzie Davis), uma super-soldado do futuro, e Sarah Connor (Linda Hamilton), uma sobrevivente endurecida por batalhas passadas. Enquanto o Rev-9 destrói cruelmente tudo e todos no seu caminho em busca de Dani, o trio tentar reencontrar um T-800 (Arnold Schwarzenegger) que pode ser a sua derradeira esperança. A sexta longa-metragem da série Exterminador Implacável retoma a narrativa após o final do segundo filme, para narrar os acontecimentos após Exterminador Implacável 2: O Dia do Julgamento, ignorando o que se passou em todas as sequelas subsequentes.

Ventos de Agosto (2014)
Shirley deixou a cidade grande para viver numa pacata vila litoral e cuidar da avó. Trabalha numa plantação de coco, conduzindo o tractor enquanto cultiva o gosto pelo punk rock e o sonho de ser tatuadora. Namora com Jeison, um rapaz local. A chegada de um investigador que vem estudar os ventos alísios vai afectar a relação de ambos, embarcando numa jornada sobre perda e memória, a vida e a morte, o vento e o mar.

Vitalina Varela (2019)
Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.

Doclisboa'19: Family Romance, LLC (2019)

*8.5/10*


Family Romance, LLC, de Werner Herzog, fez parte da secção Da Terra à Lua do Doclisboa'19. O cineasta ficciona a realidade e mostra-nos como funciona a Family Romance, uma empresa que aluga humanos de substituição para todas as necessidades dos seus clientes – seja um membro da família para uma ocasião especial, alguém para assumir a culpa de um engano no trabalho, um estranho para ajudar a reviver o melhor momento da vida. 

A realidade japonesa poderia dar um (ou muitos) caso de estudo. Family Romance, LLC demonstra isso mesmo na perfeição, com todos os dilemas morais e éticos subjacentes. Ao mesmo tempo, o próprio conflito interior em redor do presidente executivo da empresa, Yuichi Ishii, é filmado intimamente.

No filme, uma mãe pede a Ishii para se fazer passar pelo marido há muito ausente e restabelecer a ligação com a filha adolescente. Com o decorrer da "mentira", a jovem começa a criar laços com o actor, e mesmo Ishii receia apegar-se a ela. Correndo o risco de despersonalização o jovem empresário sente-se perdido no meio de tantas personalidades e do seu "eu" real.


Dinâmico e sempre inesperado, Family Romance, LLC funciona com humor e complacência. No entanto, Herzog deixa-nos sempre bem presente que aquelas pessoas existem e que os actores dividem-se por diversas famílias falsas, assumindo o papel de uma pessoa diferente em cada uma delas. Põe-se a questão: onde ficam as fronteiras entre a vida profissional e a vida pessoal? Será que, neste caso, elas se distinguem?

Werner Herzog utiliza o falso documentário para retratar uma realidade que é quase inacreditável para a população ocidental, ao mesmo tempo que reflecte sobre as necessidades com que o mundo actual se depara.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Serpentário / Serpentarius (2019)

*6/10*


Na secção Riscos do Doclisboa'19, encontrámos Serpentário, a primeira longa-metragem de Carlos Conceição, protagonizada por João ArraisSerpentário segue um rapaz, que vagueia por uma paisagem africana pós-catástrofe, em busca do fantasma da sua mãe.

Através da câmara viajamos até África, entre memórias e tradições. Percorremos desertos, praias, cascatas, visitamos tribos ou casas abandonadas. Questiona-se a História de Portugal, com forte crítica aos Descobrimentos e colonização, ao mesmo tempo que se procura uma parte de si que o protagonista (e o realizador) deixou em terras africanas. Filmado em película 16mm e Super 8, ainda mais adensada fica a sensação de mito, quase sonho.


João Arrais assume a posição de guia, num papel desafiante também para si. O jovem actor já trabalhou com Carlos Conceição e incorpora a mensagem e a transcendência de Serpentário com a inocência no olhar, fortemente aliada à esperança de encontrar o que tanto procura - em especial, respostas. Entre ressentimentos, saudade e uma poética latente, tudo se traduz na memória da mãe, a última ligação que ainda o poderá unir ao Mundo imaginário do filme. A busca incessante exorciza os medos e é o motor que faz avançar o jovem protagonista.

A subjectividade de Serpentário, por vezes experimental, mas, principalmente, demasiado íntima, poderá também jogar contra o filme de Carlos Conceição. A exploração do tema prolonga-se em demasia (e perde-se, muitas vezes) mas culmina no encontro mais esperado - e, aí, não desilude.

Doclisboa'19: The Brink (2019)

*7/10*


A realizadora Alison Klayman veio ao Doclisboa apresentar o documentário The Brink, sobre o polémico Steve Bannon. O filme fez parte da secção Da Terra à Lua e levou muitos curiosos ao Cinema São Jorge.

The Brink acompanha Bannon (já depois de deixar o cargo na Casa Branca) ao longo das eleições intercalares nos Estados Unidos e nos seus esforços de mobilização dos partidos de extrema-direita, de modo a ganhar assentos nas eleições para o Parlamento Europeu de Maio de 2019.

Eis o populista, mentor dos populismos que começaram a evidenciar-se com a eleição de Donald Trump. A realizadora teve coragem e - provavelmente - nervos de aço para acompanhar, ao longo de alguns meses, um homem que reúne pouca simpatia internacional e cuja ambição é o modo de vida. Steve Bannon pavoneia-se sem constrangimento porque "toda a publicidade é boa", mas é inevitável que a câmara de Klayman o desmascare sem dificuldade.


É um documentário dinâmico onde vivenciamos o dia-a-dia do protagonista: viagens pela Europa e Estados Unidos, comentários jocosos e irónicos, uma entrevista onde é fortemente confrontado por Paul Lewis, jornalista do The Guardian, jantares e convívio com os nomes da extrema-direita, ideias e obsessões. E entre toda a aparente (e cínica) simpatia que parece nutrir por todos os que se lhe dirigem, captamos o que quer esconder das câmaras. À porta fechada, com guarda-costas intimidantes, tem as conversas que a câmara (e plateia) já adivinha.

O paralelismo que se faz com as imagens iniciais, em que Bannon fala, com admiração, da arquitectura dos campos de concentração nazis, e as reuniões, que vemos posteriormente, com membros da extrema-direita europeia, é arrepiante. 

The Brink mostra-nos Steve Bannon sem interferências da realizadora, mas tudo o que revela é um importante alerta para que nunca voltemos a repetir o que de mais terrível existe na História Mundial.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Brexit Behind Closed Doors (2019)

*7.5/10*


Na secção Da Terra à Lua do Doclisboa'19, encontrámos Brexit Behind Closed Doors, de Lode Desmet, que nos leva numa viagem aos bastidores das negociações do Brexit - de uma perspectiva bastante diferente.

O realizador belga Lode Desmet teve, durante dois anos, acesso exclusivo ao coordenador do Brexit do Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, e à sua equipa. O seu documentário regista as conversas e discussões confidenciais dos negociadores europeus enquanto constroem a estratégia para lidar com os britânicos.

Reúnem-se os esforços para alcançar um acordo, pesam-se prós e contras, vai-se ao terreno conhecer a realidade dos mais directamente visados pelo Brexit. Brexit Behind Closed Doors segue Guy Verhofstadt das salas de reunião às constantes viagens de trabalho, das reuniões com o grupo de trabalho europeu, às negociações com os britânicos. No entanto, os breves momentos de descanso e descontracção também ficam registados, quer as suas deslocações à sua vinha em Itália ou às corridas de automóveis de que tanto gosta.


O ambiente descontraído inicial - onde até se fez um brinde - dá lugar a algum mau-estar e discordância com o passar dos meses e a rejeição de todas as possibilidades de acordo do Brexit. Os avanços e recuos do Reino Unido, as votações hilariantes do Parlamento Britânico - acompanhadas com algum entusiasmo junto do grupo de Verhofstadt -, as fugas de informação e a desconfiança geram cansaço e desespero evidente no homem à frente das negociações. Do lado do espectador, a incredulidade será tão grande como a do grupo do Parlamento Europeu - podia ser ficção, mas não é.

Eis o ciclo sem fim. Brexit Behind Closed Doors é daqueles filmes que merece ter sequela... Fica a sugestão.

Doclisboa'19: Spit on the Broom (2019) + 中孚 61. The Inner Truth / 中孚 61. La verdad interior (2019)

Ainda na Competição Internacional do Doclisboa'19, assistimos à sessão de Spit on the Broom, de Madeleine Hunt-Ehrlich, e 中孚 61. The Inner Truth (中孚 61. La verdad interior), de Sofía Brito.


Spit on the Broom, de Madeleine Hunt-Ehrlich - 7/10

A realizadora norte-americana Madeleine Hunt-Ehrlich, trouxe ao festival uma curta-metragem cheia de ritmo e feminilidade. O filme aborda "a história da United Order of Tents, uma organização clandestina de mulheres negras surgida nos anos 1840, durante o apogeu do Underground Railroad (rede de rotas clandestinas e abrigos secretos existente nos Estados Unidos durante o século XIX, usada para a fuga de escravos afro-americanos para os estados do Norte ou para o Canadá). Por respeito ao sigilo permanente do grupo, o filme estrutura-se em torno de excertos do domínio público, artigos de jornal relacionados com a Tents ao longo de 100 anos e uma trama visual de fábula e mito como forma de apresentar uma história que permanece secreta."

Spit on the Broom tem uma magia latente, delicada, quase com ambiente de encantar, onde são as mulheres as protagonistas - e nem poderia deixar de ser assim. Os olhos percorrem e dançam com as imagens, através da câmara flexível e curiosa, e a natureza entra em cena como mais uma personagem, naquele espaço de liberdade. Numa época como a actual, trabalhos de elogio às mulheres negras norte-americanas e à sua História são de elogiar.



中孚 61. The Inner Truth (中孚 61. La verdad interior), de Sofía Brito - 7/10

Sofía Brito e James Benning aprendem muito um com outro em 中孚 61. La verdad interior, mas também nos ensinam. Num mundo onde a comunicação oral parece ser cada vez mais escassa, em que a tecnologia domina muito mais as relações do que as conversas e a partilha, os dois realizadores unem-se numa dupla aventura. O resultado é não apenas o filme de Sofía, como também Telemundo (exibido na secção Riscos), de Benning.

中孚 61. La Verdad Interior revela o processo de criação de Telemundo, o filme colaborativo realizado por Benning e protagonizado por ele e Sofía Brito. Assistimos ao evoluir de uma relação muito além da língua materna. James Benning não fala espanhol, Sofía Brito fala pouco inglês. Todavia, os dois entendem-se maravilhosamente. 

Os pensamentos de ambos parecem estar em sincronia. Eis que a língua não é um obstáculo assim tão grande às relações. As ideias do veterano na casa dos 70 são semelhantes às da actriz de 30 e poucos e não são precisas muitas palavras para o compreender. 中孚 61. La Verdad Interior tem muito de road movie, mas é também o nascer de uma grande amizade. Ela faz-lhe perguntas difíceis a que ele responde surpreendido. Ele mostra-lhe locais de rara beleza. E nós, do outro lado do ecrã, assistimos embevecidos ao nascer de uma amizade inicialmente pouco provável.

Sugestão da Semana #400

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana destaca Apollo 11, de Todd Douglas Miller.

APOLLO 11


Ficha Técnica:
Título Original: Apollo 11
Realizador: Todd Douglas Miller
Elenco: Neil Armstrong, Michael Collins, Buzz Aldrin
Género: Documentário, História
Classificação: M/12
Duração: 93 minutos

domingo, 27 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Eu Não Sou Pilatus / I'm not Pilatus (2019) + Santikhiri Sonata (2019)

Sessão dupla de dois filmes da Competição Internacional do Doclisboa'19, um português, outro uma co-produção da Tailândia e Alemanha. Os dois com um tema em comum: os problemas vividos pelas minorias étnicas (violência, racismo...) que o mundo continua a enfrentar, seja no oriente ou no ocidente. Cada um à sua maneira, Eu Não Sou Pilatus, de Welket Bungué, e Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul, são dois alertas aos países de origem: o primeiro em forma de manifesto, o segundo como uma carta de amor.


Eu não sou Pilatus, de Welket Bungué - 7.5/10

Foi à distância que o realizador Welket Bungué reagiu aos polémicos acontecimentos no Bairro da Jamaica e posterior manifestação em Lisboa, no início de 2019. Estava no Rio de Janeiro e sentiu-se na obrigação de intervir, de "não ser Pilatus". Eis que surge um Manifesto em forma de curta-metragem, que utiliza dois vídeos virais nas redes sociais, transformando-os para passar a sua mensagem e ponto de vista.

Contrapondo o vídeo filmado por moradores do Bairro da Jamaica - que mostra agressões de polícias a populares - a um outro, filmado por uma mulher que se apresenta como "Júlia", onde relata o seu ponto de vista desinformado e racista da manifestação na Avenida da Liberdade, Welket Bungué cria um filme reaccionário, num grande constaste entre duas perspectivas tão distintas. O realizador trabalho sobre as palavras daquela mulher.

O título subversivo é apenas mais uma ferramenta que alerta para o perigo que a sociedade corre.
"É preciso confrontarmo-nos", afirmou o realizador na sessão. E se, como refere a sinopse de Eu Não Sou Pilatus, "este é o Estado em que nos tornámos. No entanto, queremos que os direitos civis sejam respeitados, mas continuamos a manifestar uma espécie de sentimento pelo outro aparentemente inusitado e distante, um racismo endémico, purgante e distanciador", é preciso resistir e lutar para que o estado das coisas mude para melhor.




Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul - 7.5/10

Dividido em três partes, Santikhiri Sonata foi rodado na zona que dá título ao filme, Santikhiri, que significa “a colina da paz”. E é esta paz que o realizador Thunska Pansittivorakul parece apregoar nesta "carta de amor", um tanto cheia de mágoa, ao seu país. 

A música é uma constante - ou não fosse uma sonata - e, entre conversas e actuações de dois rapazes de origens distintas, vemos imagens de arquivo, provocadoras e impactantes, parte da História censurada. Discutem-se origens e dificuldades de obter nacionalidade tailandesa mesmo para os que lá nasceram, fala-se do exército, de sonhos, de sair do país.

Após a chegada ao poder do governo do general Prem, nos anos 1980, foi tudo – drogas, comunismo, corrupção, tráfico humano e pessoas apátridas – suprimido por completo, para promover a ordem e a paz. “Quando era miúdo, a TV estava cheia de propaganda, inculcando na cabeça das pessoas que o governo militar protegia o país de várias ameaças. A ilusão e o orgulho inabaláveis no facto de o país nunca ter sido colonizado moldaram com sucesso o nosso nacionalismo cego.”, conta o realizador. 

Santikhiri Sonata é violento e poético e, principalmente, muito político. Desmascara o que quiseram apagar da História, e cria uma espécie de alegoria em redor da tragédia.

Doclisboa'19: Martha (1978) + Alfred (1986)

Retratos foi tema de mais uma sessão do Doclisboa'19, da retrospectiva Ascensão e Queda do Muro - O Cinema da Alemanha de Leste. Na Cinemateca Portuguesa a plateia assistiu a Martha, de Jürgen Böttcher, e a Alfred, de Andreas Voigt.

Martha, de Jürgen Böttcher - 8/10


Jürgen Böttcher apresenta-nos Martha, uma mulher de idade avançada mas que ainda está para as curvas. Ela é a última mulher do entulho em Rummelsberg, no meio de muitos colegas homens que a admiram e acarinham. O filme mostra-nos uma verdadeira Rainha da Sucata na RDA.

Nascida em 1910, em Berlim, todos os dias, faça chuva ou faça Sol, Martha está junto ao tapete rolante de uma escavação a fazer a triagem do entulho. Após uma festa de aposentação organizada pelos colegas, conta histórias da sua vida difícil, mas gratificante, na Alemanha do pós-guerra.

É uma mulher aguerrida, cujos olhos já revelam a saudade do trabalho de uma vida. Apesar do trabalho árduo e da vida por vezes complicada, Martha mostra-se feliz junto dos homens que a acompanharam e revela-se uma protagonista interessante e entusiasta. 

Ela, que foi uma das mulheres que ajudaram a reconstruir Berlim destruída pela guerra, recorda esses momentos olhando para fotografias da cidade arrasada, em 1945. Um interessante contraponto histórico.




Alfred, de Andreas Voigt - 6.5/10

Mais um retrato de uma personagem com muito para contar na Alemanha de Leste. A construção de Alfred é diferente: mune-se de gravações áudio do protagonista - entretanto falecido -, fotografias, um quadro de Alfred, pintado por Albert Gehse, declarações de amigos, e imagens de Berlim sobre carris.

Alfred foi o filme de final de curso do realizador Andreas Voigt, onde interroga o comunista Alfred Florstedt – que acreditou num socialismo que nunca existiu e cuja vida se entrelaça com a história do século XX – e narra a vida deste homem de 76 anos.

A memória que a curta de Andreas Voigt se propõe a preservar é a de um homem que viveu, na primeira pessoa, momentos fulcrais da História do século XX. Viu acontecer as duas Grandes Guerras, foi expulso do Partido Comunista, juntou-se depois ao Partilho dos Trabalhadores Comunistas, viu a ascensão do nazismo, passou por campos de concentração, mas no meio de tudo isto, encontrou o amor e viveu sempre na esperança de uma vida melhor.

sábado, 26 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Vencedores

O Doclisboa'19 termina este Domingo e anunciou os vencedores esta noite, na Sessão de Encerramento. A nova direcção do festival foi também anunciada e será composta por Joana Gusmão, Joana Sousa e Miguel Ribeiro.


Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul, e Viveiro, de Pedro Filipe Marques, foram os filmes que conquistaram os maiores prémios das Competições Internacional e Nacional. Zé Pedro Rock’n’Roll, de Diogo Varela Silva, venceu o Prémio do Público.

Fica a lista completa de premiados do Doclisboa'19:

COMPETIÇÃO INTERNACIONAL

GRANDE PRÉMIO CIDADE DE LISBOA PARA MELHOR FILME DA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul

PRÉMIO SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES DO JÚRI DA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
Just Don't Think I'll Scream, de Frank Beauvais

Menção Especial
Um Filme de Verão, de Jo Serfaty


COMPETIÇÃO PORTUGUESA

PRÉMIO DOCLISBOA PARA MELHOR FILME DA COMPETIÇÃO PORTUGUESA
Viveiro, de Pedro Filipe Marques

PRÉMIO MCFLY SPF DO JÚRI DA COMPETIÇÃO PORTUGUESA
Cerro Dos Pios, de Miguel de Jesus


COMPETIÇÃO TRANSVERSAL

PRÉMIO REVELAÇÃO
PRÉMIO CANAIS TVCINE PARA MELHOR PRIMEIRA LONGA-METRAGEM (MAIS DE 60’) DE UMA SELECÇÃO TRANSVERSAL A TODAS AS SECÇÕES, EXCEPTO RETROSPECTIVAS E CINEMA DE URGÊNCIA
Serpentário, de Carlos Conceição

PRÉMIO AGEAS SEGUROS PARA MELHOR CURTA-METRAGEM (ATÉ 40’) DE UMA SELECÇÃO TRANSVERSAL A TODAS AS SECÇÕES, EXCEPTO RETROSPECTIVAS E CINEMA DE URGÊNCIA
O vencedor do prémio será pré-nomeado para o Oscar de Melhor Documentário de Curta-Metragem. (O Doclisboa – Festival Internacional de Cinema foi seleccionado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para a pré-nomeação de candidatos aos Oscars®, tornando-se o único festival português que faz parte da rede de festivais qualificados pela Academia)
Tribute to Judas, de Manel Raga Raga

PRÉMIO PRÁTICA, TRADIÇÃO E PATRIMÓNIO
PRÉMIO FUNDAÇÃO INATEL PARA MELHOR FILME DE TEMÁTICA ASSOCIADA A PRÁTICAS E TRADIÇÕES CULTURAIS E AO PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE, DE UMA SELECÇÃO TRANSVERSAL A TODAS AS SECÇÕES EXCEPTO RETROSPECTIVAS E CINEMA DE URGÊNCIA
O Último Sonho, de Alberto Alvares

PRÉMIO FERNANDO LOPES
PRÉMIO MIDAS FILMES E DOCLISBOA PARA MELHOR PRIMEIRO FILME PORTUGUÊS
Rio Torto, de Mário Veloso

PRÉMIO ESCOLAS
PRÉMIO ETIC PARA MELHOR FILME DA COMPETIÇÃO PORTUGUESA
Três Perdidos Fazem um Encontrado, de Atsushi Kuwayama


COMPETIÇÃO VERDES ANOS

PRÉMIO DFFB PARA MELHOR FILME DOS VERDES ANOS
A Family Tale, de Natalia Ciepiel

PRÉMIO ESPECIAL MCFLY SPF DO JÚRI VERDES ANOS
The Rex Will Sail In, de Josip Lukić 

PRÉMIO PEDRO FORTES PARA MELHOR FILME PORTUGUÊS NOS VERDES ANOS
Rio Torto, de Mário Veloso

Menção Especial
Simulacro, de Duarte Maltez


ARCHÉ

PRÉMIO RTP PARA MELHOR PROJECTO EM FASE DE PÓS-PRODUÇÃO
O Lugar Mais Seguro do Mundo, de Aline Lata e Helena Wolfenson 

PRÉMIO NOVA / FCSH PARA MELHOR PROJECTO DAS OFICINAS ARCHÉ
Babado, de Camila Freitas e João Vieira Torres

Menção Especial
La Memoria de las Mariposas, de Tatiana Fuentes Sadowski

PRÉMIO ARQUIPÉLAGO – CENTRO DE ARTES CONTEMPORÂNEAS PARA MELHOR PROJECTO EM FASE DE ESCRITA
La Memoria de las Mariposas, de Tatiana Fuentes Sadowski


PRÉMIO DO PÚBLICO
Zé Pedro Rock’n’Roll, de Diogo Varela Silva

Doclisboa'19: Raposa / Reynard (2019)

*8/10*

Raposa, de Leonor Noivo, faz parte da Competição Portuguesa do Doclisboa'19, depois de ter passado por vários festivais de cinema internacionais. A curta-metragem aborda a anorexia de forma íntima e nasce da relação de amizade entre a actriz Patrícia Guerreiro e a realizadora.


"Astuta e esguia, acossada e em fuga, Raposa é uma metáfora de uma obsessão sem fim por cada respiração, cada gesto, cada pensamento. Marta procura, no vazio do seu corpo, o caminho para uma qualquer essência de si, numa busca abstracta de um espírito livre que pode acabar na sua própria clausura" é o que nos diz a sinopse de Raposa. O animal simboliza aqui a anorexia que assombra a existência de tantas pessoas no mundo, entre elas Leonor Noivo e Patrícia Guerreiro.

As duas trabalharam nesta curta-metragem entre Março de 2017 e Fevereiro de 2019, construindo-a através das suas próprias experiências, bem como de testemunhos de doentes do Hospital de Santa Maria.

Raposa é rodado em 16mm, numa espécie de diário da protagonista Marta. As obsessões e o controlo excessivo que exerce sobre si mesma (contabilizando tudo, as quantidades de comida, e o seu peso), fazem-nos ter uma ideia da terrível realidade que é viver num corpo em constante luta consigo mesmo. Ao mesmo tempo, a doença fá-la recusar qualquer prazer, qualquer sensação boa, caso contrário sentir-se-á culpada e quererá punir-se. Como se dois seres habitassem o mesmo corpo.

Marta fala da sua vontade e mudar de vida, procura ajuda no hospital - onde é-nos sugerido que é internada - e, num regresso, recupera as memórias dolorosas guardadas num baú, com todos os cadernos de registos que fez ao longo dos anos. A decisão parece estar tomada e será desta que irá ultrapassar a doença. A vontade e o esforço, pelo menos, estão nos níveis máximos. Há que queimar o passado obsessivo e libertar-se.

Do desconforto para a libertação, assim nos surge Raposa que, mais do que um pedido de ajuda, alerta para um problema quase invisível, que causa sofrimento sem medida.

Cinecôa 2019: De 28 a 30 de Novembro em Vila Nova de Foz Côa

A 8.ª edição do Cinecôa - Festival Internacional de Cinema de Vila Nova de Foz Côa acontece de 28 a 30 de Novembro.


O actor Ricardo Pereira será homenageado na sessão de abertura, dia 28, às 21h30, "pelo seu trabalho e por todas as ligações que tem estabelecido com o cinema e a televisão no Brasil". Seguir-se-á um cine-concerto com The James Whale Orchestra. Mais cedo, pelas 14h30, o público poderá assistir ao filme Lua Invisível, de V. Gunarathne; e, às 18h00, passa a curta-metragem A tua vez, de Cláudio Jordão e David Rebordão, seguida da longa mexicana Asfixia, de Kenya Márquez.

No dia 29, às 21h30, o realizador Tiago Guedes e alguns actores de A Herdade estarão presentes no Cinecôa para uma sessão do filme. No mesmo dia, durante a tarde serão exibidos Timoneiro, de Majid Esmaeli-Parsa, às 14h30; e, às 18h00, Carnaval Sujo, de José Miguel Moreira, seguindo-se o filme grego Fausto, um retorno do futuro, de Maria Alexea.

A outra pele, de Inés de Oliveira Cézar, abre o último dia de festival às 16h00, com a presença do produtor Ralf Tumbke; às 18h00, a curta-metragem Ao Telefone com Deus, de Vera Casaca, antecede a antestreia do filme Une fille facile, de Rebecca Zlotowski. Pelas 21h30, a encerrar o Cinecôa estará a projecção de Ayka, de Sergey Dvortsevoy, com a presença da actriz cazaque Samal Yeslyamova (vencedora da Palma de Ouro para Melhor Actriz em Cannes 2018) .

As manhãs de 28 e 29 de Novembro serão dedicadas aos mais novos com a secção Espaço Juvenil

O Cinecôa acontece no Auditório Municipal de Vila Nova de Foz Côa e a entrada é gratuita. Mais informações em https://www.cinecoa.pt/.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Estreias da Semana #400

Esta Quinta-feira, chegam oito novos filmes às salas de cinema nacionais. Aquarela: A Força da Natureza e Um Dia de Chuva em Nova Iorque são duas das estreias.

Anjo Perdido (2019)
Angel of Mine
Lizzie Manning (Noomi Rapace), divorciada e fragilizada, encontra-se numa batalha pela custódia do filho Thomas, de 11 anos. Um dia, ao cruzar-se com Lola, irmã de um colega do filho, sente uma ligação indescritível, algo que, nas semanas seguintes, se torna quase uma obsessão. Claire, a mãe de Lola, confronta-a e descobre que Lizzie acredita que Lola é a sua filha que morreu num incêndio há sete anos.

Apollo 11 (2019)
Criado a partir de filmagens em 65 mm recém-descobertas e de mais de 11 mil horas de gravações áudio não catalogadas, o documentário Apollo 11 leva o espectador directamente ao centro da primeira missão que colocou homens na lua e tornou os nomes de Neil Armstrong e Buzz Aldrin conhecidos em todo o mundo. Imerso nas perspectivas dos astronautas, da equipa no Controlo de Missão e dos espectadores no local, Apollo 11 revive aqueles dias e horas de 1969, quando a humanidade deu um salto gigante em direcção ao futuro.

Aquarela: A Força da Natureza (2018)
Aquarela
A água é a principal protagonista neste documentário, vista em toda a sua maravilhosa e terrível beleza. O filme viaja pelo mundo, desde as precárias águas congeladas do lago Baikal, na Rússia, até Miami, no meio do furacão Irma, até ao poderoso Salto Angel, na Venezuela, num retrato dessa força vital e fluida em todas as suas gloriosas formas.

Branca Como Neve (2019)
Blanche comme neige
Claire (Lou de Laâge), uma jovem de enorme beleza, provoca irreprimíveis ciúmes à sua madrasta, Maud (Isabelle Huppert), ao ponto de a fazer premeditar o seu homicídio quando o jovem noivo de Maud se apaixona por Clair. Salva no último momento por um homem misterioso que a alberga na sua quinta, Claire decide ficar na aldeia, despertando a comoção nos seus habitantes. Primeiro um, depois dois, em breve sete "príncipes" irão render-se aos seus encantos. Para ela, isto significa o início de uma emancipação drástica, tanto carnal como sentimental.

Fahim (2019)
Fahim, um rapaz do Bangladesh, é forçado a abandonar o país juntamente com o pai e a partir para Paris. Quando chega a França encontra diversos obstáculos à obtenção de asilo político e é ameaçado de expulsão. A única salvação desta família é um jogo de xadrez e o dom de Fahim: ele terá de tornar-se campeão da França.

O Traidor (2019)
Il Traditore
Itália, anos 80. O país é o palco de uma guerra acesa pelo negócio da heroína entre os chefes da máfia siciliana. Tommaso Buscetta, um homem marcado, foge para o Brasil onde acompanha à distância o assassinato dos  filhos e do irmão, em Palermo. Preso e extraditado para Itália pela polícia brasileira, Buscetta decide encontrar-se com o Juiz Giovanni Falcone e trair o juramento de lealdade eterna que fizera à Cosa Nostra, colaborando no super processo histórico que irá condenar mais de 400 membros da Máfia.

Um Dia de Chuva em Nova Iorque (2019)
A Rainy Day in New York
Ashleigh (Elle Fanning) tem de fazer um trabalho para a universidade e viaja até Manhattan para entrevistar um famoso realizador de cinema. Gatsby (Timothée Chalamet) aproveita a oportunidade para a acompanhar e mostrar à namorada os recantos preferidos da sua cidade natal. Mas a viagem rapidamente foge ao meticuloso plano de Gatsby para um fim-de-semana romântico e, uma vez lá chegados, acabam por se separar e viver uma série de encontros ocasionais e cómicas aventuras.

Zombieland: Tiro Duplo (2019)
Zombieland: Double Tap
Através do caos hilariante que vai da Casa Branca à América profunda, os quatro caçadores de zombies vão enfrentar novos tipos de mortos-vivos que evoluíram desde o primeiro filme, bem como novos sobreviventes humanos. Mas, acima de tudo, têm de enfrentar os problemas da sua própria peculiar família improvisada.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Wozu denn über diese Leute einen Film? / Why Make a Film About People Like Them? (1980) + Volkspolizei / People’s Police Force (1985)

Polícias e Ladrões é o título de mais uma sessão da Retrospectiva Ascensão e Queda do Muro - O Cinema da Alemanha de Leste, do Doclisboa'19, no 30.º aniversário da Queda do Muro de Berlim. Os dois filmes da sessão das 15h30, de 21 de Outubro, na Cinemateca Portuguesa, foram realizados por Thomas Heise. Enquanto em Wozu denn über diese Leute einen Film? (Why Make a Film About People Like Them?), conhecemos uma família de pequenos criminosos, em Volkspolizei (People’s Police Force) assistimos ao dia-a-dia de uma esquadra de polícia. Curiosamente, os dois filmes foram banidos durante vários anos.

Wozu denn über diese Leute einen Film? (Why Make a Film About People Like Them?) - 7/10


Wozu denn über diese Leute einen Film? foi uma das primeiras obras de Thomas Heise, tendo sido rapidamente censurado e apenas exibido em 1989. O realizador filmou uma família de pequenos criminosos, que conversam animadamente sobre as ocasiões em que foram presos pela polícia e falam dos seus pequenos crimes. 

Segundo Heise, "a razão para ter sido banido foi a forma descontraída como o filme retratava esses jovens a viver a vida sem sombra de ideologia, incluindo, dando por garantida a carreira de pequenos criminosos, o que significava que o autor aceitava a sua existência como tal e apenas a queria analisar”. O partido não queria mostrar que havia crime na RDA.

As conversas fluem à frente da câmara sem vergonha ou receio, numa realidade que parece ser a única que aqueles jovens delinquentes - sem grandes projectos para o futuro - conhecem. A somar à descontracção dos intervenientes, também a mãe alinha nos relatos, já resignada com as escolhas dos filhos.

Volkspolizei (People’s Police Force) - 6/10


Em 1985, e dentro da mesma lógica de observação de Wozu denn über diese Leute einen Film?Volkspolizei coloca-nos desta vez do lado da Polícia do Povo, no bairro de Mitte, perto do muro de Berlim. Também este filme foi barrado pelo partido.

Thomas Heise filma o quotidiano daquela esquadra, conhece os polícias ao serviço que se apresentam e contam alguns dos seus casos mais marcantes - contrabandistas que atravessam ilegalmente o muro, violência doméstica, desaparecimentos, desacatos -, ao mesmo tempo que segue os oficiais durante o serviço fora de portas; ouvem-se as chamadas de rádio entre as várias estações da cidade; ou vêem-se alguns dos detidos, a quem os polícias fazem questões.

Todos eles falam de como chegaram à posição que actualmente ocupam, desde os que foram recrutados por outros polícias quando ainda eram muito jovens, aos que procuravam uma vida de sonho em Berlim. Perto do final de Volkspolizei conhecemos duas crianças que ambicionam ser Polícias do Povo e prometem esforçar-se para se tornarem as forças de segurança do amanhã.

Family Film Project 2019: Vencedores

Camp on the Wind's Road e Maelstrom foram os vencedores do Family Film Project 2019. O festival aconteceu no Porto entre 14 e 19 de Outubro.


Conhece a lista completa de premiados, menções honrosas e respectivas notas do júri:

PRÉMIO FONSECA PORTO MELHOR LONGA-METRAGEM

Camp on the Wind's Road, de Nataliya Kharlamova (Rússia, 2018)

Nota do júri: "Filmado de forma bela e atenta, Camp on the Wind's Road é um filme etnográfico no qual os sujeitos assumem o controlo total da sua própria representação. Empática, paciente e observadora, a câmara oferece-nos um olhar sobre uma família geograficamente remota, mas aproxima-nos dos seus protagonistas pelo modo como nos guia pelas experiências humanas compartilhadas de luto e perseverança."

MENÇÃO ESPECIAL LONGA-METRAGEM

Retirement Party, de Assaf Ehrenreich (Israel, 2018)


PRÉMIO MELHOR CURTA-METRAGEM

Maelstrom, de Misja Pekel (Holanda, 2018)

Nota do júri: "Ao reunir materiais de found-footage produzidos antes e durante a atual guerra na Síria, Maelstrom funde o íntimo com o político. Na apropriação poética dos materiais de arquivo, o filme oferece uma visão convincente de um lugar que não existe mais, juntamente com uma impressão comovente das experiências interiores daqueles que deixaram a sua terra natal para trás."

MENÇÕES ESPECIAIS CURTA-METRAGEM

The Place From Where I Write You Letters, de Nikolina Bogdanovic (Croácia, 2018)

Yo Fui Anderssen, de Raúl Riebenbauer (Espanha, 2019)

O Mar Enrola da Areia, de Catarina Mourão (Portugal, 2019)


Mais informação sobre o Family Film Project em https://familyfilmproject.com/pt/.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Sugestão da Semana #399

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana destaca o filme de zombies português, Mutant Blast, de Fernando Alle. Podes ler a crítica do Hoje Vi(vi) um Filme aqui.

MUTANT BLAST


Ficha Técnica:
Título Original: Mutant Blast
Realizador: Fernando Alle
Elenco:  Maria Leite, Pedro Barão Dias, Joaquim Guerreiro, Mário Oliveira, Clemente Santos, João Vilas, Sofia Reis
Género: Acção, Comédia, Terror
Classificação: M/16
Duração: 83 minutos

domingo, 20 de outubro de 2019

Doclisboa'19: She / Sie (1970) + Who’s Afraid of the Bogeyman / Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann (1989)

O Doclisboa'19 assinala os 30 anos da queda do muro de Berlim, com a retrospectiva Ascensão e Queda do Muro - O Cinema da Alemanha de Leste. A Cinemateca é o principal palco de exibição destes filmes cuja visualização é uma oportunidade quase única. Na sessão das 19h00 de 19 de Outubro (repete no dia 23), o tema foi Mulheres Poderosas?, e foram exibidos dois filmes realizados por mulheres, sobre mulheres com poder: Sie (She), de Gitta Nickel, e Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann (Who’s Afraid of the Bogeyman), de Helke Misselwitz.

Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann, de Helke Misselwitz

Sie (She), Gitta Nickel - *8.5/10*

Sie traz-nos uma visão surpreendente das mulheres de um fábrica têxtil da Alemanha de Leste nos anos 70, que espelha a emancipação feminina no seu esplendor. Mulheres com ideias bem definidas, cultas e versáteis, com funções de chefia e capazes de planear a sua vida, trabalho e família. 

A realizadora Gitta Nickel coloca a sua câmara entre as conversas e faz entrevistas a uma médica jovem, trabalhadoras e gerentes de todas as idades, posições e contextos sociais da fábrica Treffmodelle. Expressam as suas preocupações pessoais e falam sobre relações, planeamento familiar e pílula contraceptiva, educar crianças e habilitações profissionais, direitos das mulheres e igualdade na sociedade (meritocrática) socialista.

Sie, de Gitta Nickel 
Um entusiasta elogio às mulheres da época na RDA.


Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann (Who’s Afraid of the Bogeyman), Helke Misselwitz - *7/10*

Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann (Who’s Afraid of the Bogeyman), da realizadora Helke Misselwitz, conduz-nos pelo quotidiano da empresa privada de transporte de carvão Prenzlauer Berg, na Alemanha Oriental, entre 1988 e 1989. Em vésperas da reunião do país, eis um registo de como se vivia à época, em especial naquela fábrica, gerida por uma mulher de pulso firme e sem papas na língua.

Wer fürchtet sich vorm schwarzen Mann, de Helke Misselwitz 
O trabalho físico e pesado cabe aos homens que fazem a entrega de carvão, cortam lenha, carregam e descarregam camiões, enquanto a gestão está nas mãos de uma patroa que, apesar de líder é compreensiva e nutre grande simpatia pelos empregados - e vice-versa, eles respeitam-na e admiram-na.

Nas conversas do quotidiano - em que nem a realizadora, nem a câmara parecem incomodar os intervenientes -, vamos conhecendo homens e mulheres, que desabafam sobre a sua vida pessoal ou conversam sem receios sobre o Muro de Berlim - e os seus dois lados -, casos de abuso de menores, prisão, morte, alcoolismo ou educação. Mal sabiam que o muro cairia dali a uns meses e a Alemanha voltaria a ser uma só.

CineEco 2019: Vencedores

O documentário Injustiça (Grit) é o vencedor do Grande Prémio Ambiente do CineEco 2019. O festival decorreu em Seia de 12 a 19 de Outubro.

O filme de Cynthia Wade e Sasha Friedlander, Injustiça (Grit) conquistou o grande prémio do Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela. O documentário aborda o activismo de uma jovem - sobrevivente de um tsunami de lama tóxica que enterrou 16 aldeias em Java Oriental  - contra uma multinacional indonésia.

Injustiça (Grit), de Cynthia Wade e Sasha Friedlander
O Grande Prémio Antropologia Ambiental – Liberty Seguros foi conquistado por Reactor Perdido (Lost Reator), documentário alemão sobre um grupo de pessoas que vivem numa dimensão de tempo pós-Chernobyl paredes-meias com uma Central de Energia Nuclear que nunca chegou a funcionar.

O Prémio Educação Ambiental – Associação Mares Navegados foi para Genesis 2.0, um documentário sobre manipulação genética, tecnologia e criação na busca do “ouro branco” nos limites mais remotos da Sibéria.

O júri do CineEco atribui também três Menções Honrosas aos filmes O Herói das Ovelhas (Sheep Hero), de Ton van Zantvoort, documentário que acompanha Stijn, um pastor tradicional forçado a inovar num mundo neoliberal, entrando em conflito com a sua visão idealista da vida; Sonhando um Lugar, de Alfonso Kint, um relato sobre uma família que se reinventou numa aldeia sonhada; e Walden, de Daniel Zimmermann, onde se constata o absurdo de um dos princípios económicos que definem o mundo globalizado.

O Prémio Internacional Curtas Metragens - Turistrela foi para a animação stop montion feito com argila Pacha Lama Somos Nós: A Cerimónia para Pachamama. Já o Prémio Televisão foi para O Senhor Kubota e a sua busca pela imortalidade.

Hálito Azul, de Rodrigo Areias, conquistou o Prémio Camacho Costa Lusofonia e o Prémio Panorama Regional Lusofonia foi atribuído a Pagar a Promessa, de Tiago Cerveira.

O CineEco entra agora em itinerância ao longo do ano nas suas extensões por todo Continente, Madeira e Açores. O Festival Internacional de Cinema Ambiental regressa a Seia entre os dias 10 a 17 Outubro em 2020. Mais informações em http://www.cineeco.pt/.

Queer Porto 5: Vencedores

O Queer Porto - Festival Internacional de Cinema Queer anunciou os vencedores desta 5.ª edição. Madame, de Stéphane Reithauser, conquistou o Prémio para Melhor Filme e o Prémio do Público.


O Júri da Competição Oficial escolheu Madame, pois "mergulhar e reconstruir memórias através de um arquivo de imagens de família, pode ser um exercício de compreensão e redenção. Nesta obra, percebemos que muitas vezes não estamos sozinhos na nossa 'estranheza', seja ela de género ou de outro género qualquer. Este filme tem o mérito de o fazer especialmente bem, incluindo plenamente o espectador nessa dinâmica."

Foi atribuída uma Menção Especial ao documentário Yours in Sisterhood, de Irene Lusztig, por ser “uma obra que afirma a multiplicidade e a urgência do feminismo na actualidade, articulando com questões de género, tensões raciais ou preocupações ecológicas, de forma especialmente bem conseguida."

A Melhor Curta-Metragem de Escola da Competição In My Shorts foi Em Caso de Fogo, de Tomás Paula Marques, com o júri a elogiar “uma narrativa centrada na adolescência passada num ambiente rural, onde através da montagem são criadas importantes tensões no discurso fílmico."

Competição Oficial

Melhor Filme: Madame (Suíça, 2019, 94’), de Stéphane Reithauser

Menção Especial: Yours in Sisterhood (EUA, 2018, 102’), de Irene Lusztig

Prémio do Público: Madame (Suíça, 2019, 94’), de Stéphane Reithauser

Competição In My Shorts

Melhor Curta-Metragem de Escola: Em Caso de Fogo (Portugal, 2019, 23'), de Tomás Paula Marques


O Queer Porto 5 termina este Domingo, dia 20 de Outubro.

sábado, 19 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Retratos de Identificação / Portraits of Identification (2014)

*7.5/10*


Retratos de Identificação, de Anita Leandro, faz parte da secção Da Terra à Lua do Doclisboa'19, e recorda, através de fotografias e de testemunhos das vítimas, as prisões de guerrilheiros brasileiros durante a ditadura militar.

O documentário enquanto registo histórico é cada vez mais fulcral quando olhamos para a História de um país. Mais ainda quando essa História foi marcada por uma ditadura, com presos políticos, tortura e crimes vários, pelos quais os opressores nunca foram devidamente punidos. E, no ressurgir de valores de extrema-direita e de elogios à ditadura militar brasileira com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, filmes como Retratos de Identificação (produzido quatro anos antes da sua eleição) são cada vez mais importantes para construir a memória de um passado que não queremos repetir.

A realizadora Anita Leandro conversa com dois antigos guerrilheiros brasileiros, Antonio Roberto Espinosa e Reinaldo Guarany Simões, que se deparam, pela primeira vez, com fotografias de identificação da polícia tiradas depois de terem sido presos durante a ditadura militar. O passado ressurge através das imagens e com ele uma história de crimes até agora por explicar.


Nas entrevistas, Espinosa e Guarany contam alguns dos episódios de tortura que sofreram, os tempos que passaram com a famosa guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos (que se suicidou aos 31 anos, no exílio em Berlim Ocidental, em 1976) - que surge no documentário através de imagens de arquivo, onde conta a sua própria experiência traumatizante. Espinosa conta ainda como o caso da morte de outro companheiro de luta, Chael Charles Schreier, lhe poderá ter salvo a vida; e Guarany relata os momentos que viveu no exílio no Chile e na Alemanha Ocidental.

Retratos de Identificação reúne material de arquivo relevante - fotografias, relatórios policiais, etc. -, cruzando-o com os depoimentos emocionados dos protagonistas, num arrepiante pedaço de História para relembrar um povo dos seus pecados e crimes. Nos dias de hoje, é quase incompreensível, à luz do passado recente, que o Brasil pareça querer repetir os mesmos erros. Documentários destes nunca serão demais.